A deblaquê
O capitalismo americano treme, e o mundo com ele. O governo Bush anunciou um pacote de medidas que prevê isenções fiscais em torno de US$ 145 bi, que corresponde a 1% do PIB do país, para tentar reanimar a economia norte-americana, evitando um processo recessivo que pode levar a uma crise mundial sem precedentes. E as primeiras vítimas são as economias dependentes, o Brasil incluso, ainda que o país tenha reservas abundantes para segurar o baque, de início. A déblaquê já era anunciada. Há, no mínimo, três anos especialistas já apontavam os riscos que a bolha imobiliária norte-americana representava para a economia global. Simples: bancos financiaram à granel aquisições de imóveis nos últimos dez anos e milhares de unidades foram compradas sem que seus proprietários pudessem honrar seus compromissos, os chamados empréstimos subprime (concedidos em larga escala a setores das classes-médias). Mas não só, a crise norte-americana é também estrutural. O desemprego nos Estados Unidos atingiu 5% em dezembro do ano passado, a maior taxa em dois anos, e a alta do petróleo, a inflação e a queda no consumo têm comprometido as margens de lucro das empresas. Nesta semana, instituições financeiras, que outrora se notabilizavam como sólidas no mercado, apresentaram perdas estratosféricas. O banco Merrill Lynch perdeu US$ 9,83 bilhões no quarto trimestre de 2007. O JP Morgan Chase & Co. fechou o quarto trimestre de 2007 com lucro líquido 34% menor, US$ 2,971 bilhões, ante os US$ 4,526 bilhões somados em mesmo período de 2006. O Citigroup, um dos maiores bancos do mundo, anunciou prejuízo de US$ 9,83 bilhões no quarto trimestre e teve que receber injeções de recursos de investidores asiáticos e árabes para não fechar as portas. As crises cíclicas do capital põem em alerta os entusiastas do neoliberalismo. O corte de impostos anunciado por Bush Jr. certamente resultará na redução dos programas sociais nos EUA. Menos investimentos públicos para que famílias possam consumir mais e abasteçam um mercado ávido em lucros incessantes. Porquanto, a economia brasileira mantém-se blindada, já que o país, além de contar com robustas reservas, aumentou consideravelmente sua inserção em outros mercados mundiais. Mas a situação mantém-se em alerta, e máximo. Os Estados Unidos ainda são os primeiros parceiros comerciais do Brasil e um refluxo de investimentos abrupto da parte deles certamente refletirá numa economia ainda dependente, como é o nosso caso. O capitalismo financeiro globalizado já dá sinais de cansaço, já que os bancos são responsáveis pelo garroteamento da maior parte da economia internacional. Não se descarta, portanto, que ondas de desemprego possam figurar num futuro próximo em escala mundial. Não se pretende aqui apocalíptico, mas a diminuição das ilhas de inclusão social ante o aumento considerável da exclusão representará um quadro sombrio para a conjuntura internacional. Isso porque a defesa do capitalismo assenta-se na natureza acumulativa e não distributiva da riqueza produzida que, com o ralo aberto pela economia norte-americana levará os capitais aos inevitáveis “colchões” para assegurar seus lucros. Não é preciso recorrer a manuais de marxismo para explicar a crise americana. O economista John Maynard Keynes já alertava na década de 30 do século passado os resultados deletérios de economias desreguladas. Reproduz-se agora a crise de 1929 com o agravante de que os fluxos de capitais não mais se sustentam em recursos provenientes do trabalho, mas, sobretudo, da especulação financeira. É o mundo onde os poucos que jogam na bolsa lucram milhões, sozinhos, e quando estes perdem, arrastam consigo o infortúnio de milhões, não de dólares, mas de seres humanos.
Comentários
Textos sobre conjuntura e tal estão disponíveis no site do PT. Escrevi ressentimente um texto sobre a Tragédia da Fonte Nova.
Reli muita coisa e senti saudades da academia. Atualmente, estou muito reflexivo. Penso muito sobre as perspectivas da juventude, a falta que faz a utopia e quando iremos resolver essa coisa terrível chamada pós-modernidade. Como já disse para o André: a pós-modernidade é um câncer. Seu texto veio em boa hora. É reflexo de um movimento comum de real declínio do projeto universalista dos Estados Unidos. Eles a cada dia se voltam para os seus problemas internos e revivem de maneira contundente a reorganização dos estados nação. As cruzadas estadunidenses no Médio Oriente forçaram a política externa a retornar para um ponto que os Estados Unidos nunca imaginaram: pensar o mundo a partir das relações entre os países, não a partir dos interesses dos países a partir de uma política catequista. O que eu quero dizer é que os EUA não acreditam mais no livre mercado, sabem que o mundo não vai aceitar seu projeto, seu exemplo e que as organizações criminosas não são medievais, mas subprodutos da sua política "modernizadora". Enfim. O descontrole do capital e o excesso de intervenções fora das convenções internacionais que o próprio EUA ajudou a construir, criaram um ambiente desfavorável para os EUS, pois, esse sequer pode realizar uma guerra com o apoio financeiro de uma nação que tenha os valores americanos como referência. Mas, prepara-se, a guerra contra o narcotráfico vem com tudo.