De internautas a peixes de aquários virtuais?
Quando o porta-voz do WikiLeaks, Julian Assange, declarou que o Google
sabia mais sobre nós do que nossas próprias mães, o ciberativista australiano
lançava um alerta para o processo em curso de garroteamento da Internet pelas
novas corporações da mídia. Estaríamos cada vez mais navegando em
aquários-fazendas virtuais sem nos dar conta dessa condição de confinamento?
Em O
Filtro Invisível, o que a Internet está escondendo de você, o norte-americano Eli
Pariser, presidente do conselho diretor do portal MoveOn.org e cofundador da
Avaaz.org, disseca o enredo. Personalizar. Essa é a palavra-chave para entender
como o Google, Facebook, Yahoo, YouTube e outros agem na web para utilizar
dados de milhões de pessoas com o fito que foge ao ideário inicial da web.
Adotada por libertários ainda ressaquiados pela maré dos movimentos da
contracultura, Pariser aponta uma Internet 3.0 que hoje caminha para colocar
seus usuários como presas fáceis das bolhas de filtro. “(…) Quando deixamos por
conta própria, os filtros de personalização servem como uma espécie de
autopropaganda invisível, doutrinando-nos com as nossas próprias ideias,
amplificando nosso desejo por coisas conhecidas e nos deixando alheios aos
perigos ocultos no obscuro território do desconhecido”, afirma.
Buscar a relevância num
oceano de milhões de informações disponíveis levou os programadores a
trabalharem algoritmos capazes de empurrar os usuários para lugares-comuns
amoldados aos seus perfis e predileções. Os sinais de comportamento, inclinação
e preferências resultam em milhões de dados que, após filtrados e analisados, direcionam os internautas para nichos de
supostas identificações sociais, culturais e políticas.
Uma pesquisa no Google sobre o aborto trará um elenco de resultados
para alguém que se posta filosófica e ideologicamente contra a prática e outro
para um militante favorável à causa. Por quê? Porque o mais importante não é
ofertar informações capazes de apresentar o problema num leque de visões e
opiniões que mostrem os contraditórios do assunto ou tema buscado. Isso é
secundário. O objetivo é manter guetos de afins para facilitar a publicidade
direcionada.
“A empresa que tiver maior quantidade de informações e souber usá-las
melhor ganhará os dólares da publicidade”. Segundo o Wall Street Journal, os cinquenta sites mais
visitados da Internet, sejam eles a CNN, o Yahoo ou o MSN, instalam cada um, em
média, 64 cookies repletos de dados e beacons de rastreamento pessoal.
“Se buscarmos uma palavra como ‘depressão’ no Dictionary.com, o site
irá instalar 223 cookies e beacons de rastreamento em nosso computador, para
que outros sites possam nos apresentar anúncios de antidepressivos”, alerta
Pariser.
O comportamento das pessoas na rede é a mercadoria. Estratégia que não
atinge apenas a publicidade, mas também o jornalismo como efeito-catraca.
Notícias que trazem assuntos recentes, pouco aprofundados, com ênfase nos
escândalos virais ganham importância. “Os repórteres já não procuram mais furos
– eles apenas botam lenha na fogueira das matérias que ganham mais cliques”,
alfineta o ativista.
A economia da atenção tem imposto à web uma espécie de mais do mesmo a
milhões de usuários. A dica despretensiosa, tipo se você gosta disso gostará
também daquilo; ou as sugestões de amizade de perfis próximos às suas tribos e
grupos de referência, operam como poderosos filtros para manter focos de
atenção pontuais.
Dinâmica que dilui e até mesmo elimina a serindipidade, ou a possibilidade de
achar o que não procuramos, inibindo a criatividade que possa resultar em
descobertas que fujam ao que as “bolhas” possam dispor. Ameaça à promoção da
diversidade de ideias, culturas e o sadio contato com o inusitado.
Na sua análise, o autor apresenta as diferenças entre o Twitter e o
Facebook. A despeito dos aspectos semelhantes das duas redes sociais, Pariser
classifica as regras do Facebook como “incrivelmente turvas e que parecem mudar
quase todo dia”.
Na opinião do ativista, a rede criada por Mark Zuckerberg atua conforme
suas bolhas de filtro e, muitas vezes, não respeita a publicação de postagens
dos seus participantes, “pois diferentes tipos de conteúdos têm diferentes
chances de ser mostrados”. Em relação ao Twitter, Pariser entende essa rede
como bastante transparente e com poucas regras rigorosamente respeitadas pela
empresa, não enganando os usuários.
O Filtro Invisível não é apenas um libelo solto contra a tentativa de
domínio aético de empresas na Internet por intermédio de panópticos de
monitoramento social. O trabalho é embasado em razoável base teórica que reúne
opiniões e citações de psicólogos, pedagogos, cientistas sociais e estudiosos
do comportamento humano de diversas áreas do conhecimento. O livro serve como
importante alerta do porvir sobre os efeitos da web no futuro das relações humanas.
Serviço:
Eli Pariser
O Filtro Invisível, o que a Internet está escondendo de você
Jorge Zahar Editor, 2012, Rio de Janeiro
Tradução
– Diego Alfaro
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