Educação e negócios, uma relação duvidosa
O sistema de ensino superior privado no Brasil está em crise. Não financeira propriamente dita, mas sobretudo pedagógica e de credibilidade. A maioria das instituições privadas de ensino superior (IPES) está embarcando nas chamadas “otimizações” das grades disciplinares, com drásticas reduções das horas/aulas e enxugamentos dos quadros de docentes mais qualificados. Hoje, poucas são as IPES que dedicam algum compromisso à pesquisa e à extensão, o que leva aos inevitáveis mutilamentos das formações universitárias. O que outrora significava formações razoáveis e um tanto consistentes, hoje se apresenta como uma réplica do segundo grau. É o ensino fast-food, com taxi-teachers e aulas à distância. Desfibra-se o ambiente acadêmico, que dá lugar aos “shoppings educacionais”. Um segmento que já esteve, em sua maioria, nas mãos de empresários vocacionados à educação, agora é garroteado por “investidores” nacionais e internacionais cujo único interesse é o lucro imediato. Com a complacência das instâncias públicas reguladoras, a exemplo do próprio Ministério da Educação - campeão das “vistas grossas” - o empresariado voraz vai tocando o setor como se tocasse fábricas de cimentos. Não sem razão que o especialista em educação da Unesco, Célio da Cunha, entende que esse quadro decorre de uma espécie de mutualismo entre o mercado e as empresas educacionais (já que ambos constituem um mesmo sistema). A sociedade demasiadamente competitiva pressiona a escola para a formação do que Célio entende como “idiota-técnico”. Ou seja, não se deseja mais formar profissionais com valores e construções humanizadas de identidades, mas máquinas de obedecer ordens e construir perspectivas para o mercado, apenas. Um caminho que vai na contramão do que preconiza a Unesco. O Relatório Mundial da Educação formulado pelo órgão como meta para o século XXI, sugere que os países procurem conciliar o “aprender a fazer” (ou dominar algumas técnicas de mercado), “aprender a conhecer” (dominar o conhecimento), “aprender a ser” (ou desenvolver a capacidade de ser cidadão) e “aprender a viver juntos” (ou aprender a conviver com a diversidade cultural). Entre tais sugestões e a realidade vivenciada nas IPES existe uma distância abissal. E o pior é que as mesmas se nutrem financeiramente de volumosos recursos despejados pelo Governo Federal mediante programas sociais de inclusão universitária, a exemplo do Prouni. Quer dizer, o mesmo poder público que outorga publicamente a concessão para que as IPES funcionem, também lhes garante, em boa medida, a aquisição de numerosas vagas por semestre. Ainda assim, estas se sentem à vontade para arrotar a necessidade de quanto menos regulação melhor. Daí, vale tudo. Desde a forma truculenta de tratar os docentes que busquem se organizar politicamente para discutir suas realidades à formulação de políticas pedagógicas internas que são impostas de forma autoritária, sem debates e as necessárias discussões com os corpos docente e discente. E a todo semestre “pacotes-surpresas” brindam os profissionais com demissões em massa, reduções salariais e precarizações das relações de trabalho. São os necessários “ajustes” requeridos pelo mercado para manter as IPES “saudáveis” economicamente, mesmo não importando que pais de famílias sejam demitidos. O que importa são os índices das bolsas de valores. E quanto aos estudantes, estes são anualmente convidados a assumir reajustes das mensalidades para acompanhar o aumento das “despesas” das IPES. Por fim, terminam pagando um assento e um diploma a longo prazo cuja substância pode se limitar apenas a uma logomarca. Como diria o filósofo sloveno Slavoj Zizek, “bem vindo ao deserto do real”. Engraçado, não?
Comentários
Abraços e saudações Guilherme Gusmão.
Caro Efraim, concordo que boa parte dos "consumidores" são "pseudo-alunos"..., mas estes precisam ser iluminados [como uma vez disseram que ALUNO poderia ser A + Luno, ou seja... sem luz]. Por mais difícil e complexo que seja apenas pessoas, como por exemplo o Professor Zeca, já conhecedoras dos encantos e seduções desse mecanismo social de não-desenvolvimento, pode contribuir para isso... por isso não são mais bem vindos em certas instituições de negócios particulares.
Os idiotas-técnicos multiplicam-se e os alunos, aos poucos vão perdendo o brilho (que adquiriram com professores como você).
É necessário fazer alguma coisa para que os shoppings educacionais não nos calem de vez, em nome do lucro.
Mesmo de longe, contamos com você.
Força, Zeca!!!