Não tão brother assim



O ano começou e com ele o pior espetáculo midiático que uma rede de televisão pode exibir: o Big Brother. Há alguns dias fui interpelado por um amigo inteligente e culto de Vitória da Conquista, na Bahia: “Você é radical”. Interpretei a assertiva como uma boa provocação, no melhor dos sentidos. Retruquei-lhe que o ato radical conformava-se em ir à raiz do problema, portanto radical, e que tal atitude não poderia se confundir com o ato da intransigência. Então, este que escreve não está sendo intransigente com o programa global, mas radical, ou melhor, radicalmente contrário. Originário da Holanda, da produtora Endemol, que detém os direitos de exibição, o quadro reproduz sutilmente a fagocitose social mediante o conceito de controle de George Orwell, autor do livro 1984, escrito em 1949, que inspira-se nos regimes totalitários dos anos 30 e 40. Nele, os habitantes da Oceania, país submetido a uma democracia de mentira, vivem um regime totalitário desde que o IngSoc (o Partido) chegou ao poder sob a batuta do onipresente Grande Irmão (Big Brother). É a história de Winston Smith, funcionário do Ministério da Verdade. A função de Winston é reescrever e alterar dados de acordo com o interesse do IngSoc. Nessa ficção, se alguém pensasse diferente cometia crimidéia (crime de idéia em novilíngua) e fatalmente seria capturado pela Polícia do Pensamento e era vaporizado. Desaparecia. Não é novidade que a Vênus Platinada sempre buscou o pensamento comum a partir do controle ideológico do Jardim Botânico. Toneladas de estudos e teses sobre a história recente do país comprovam sua vontade de vaporizar projetos políticos desafetos aos seus interesses e os de quem a emissora representa. Mas a estratégia do programa Big Brother supera quaisquer outras iniciativas da Globo no exercício do controle social e político. E o faz com maestria de fazer inveja a Josef Goebbles. Da primeira edição à atual, a oitava, o quadro sofisticou-se, a casa dos ratos-em-laboratório ficou mais luxuosa e prazerosa. Concomitantemente, os personagens do programa também foram paulatinamente mudados. Os padrões físicos tidos como “feios”, destoantes da maioria dos participantes, tipos atléticos de rostos fotogênicos, foram limados. Os “feios” e folclorizados freqüentaram a casa até a sexta edição depois que estes passaram a ser potenciais candidatos ao prêmio de um milhão de reais por uma questão de empatia popular. Apresentado pelo mix de jornalista e animador de auditório Pedro Bial, o Big Brother coloca o público telespectador como o júri dos destinos dos candidatos à celebridade. E nesse jogo, vale tudo. A esperteza vil é elevada ao grau de virtude dos integrantes da peleja, já que o passar a perna com “elã” torna-se um dado positivo dos “jogadores”. Conchava-se, agrupa-se, reagrupa-se, trai-se e é traído. Detalhe: aqueles que perpetram tais ações como “bons” ganham os louros do público sobre os “maus”, e, claro, tudo dosado a partir da intervenção editorial da Globo, quem de fato aponta quem é quem. Poucos desconfiam que as supostas batalhas entre os “bons” e os “maus” na verdade dissolve o próprio caráter violento da casa, onde a competição pelo dinheiro deve justificar tudo, “vaporizando” aqueles que desviem da “verdade” construída pelo grande irmão global. “Repórteres” são colocados nas ruas do Rio de Janeiro para aferir a aceitação popular dos participantes, organizando torcidas que encarnam o veredicto de uma suposta vontade geral (que Jacques Rousseau não se revire no túmulo). E para ganhar a bagatela de R$ 1 milhão desfilam-se corpos sarados e músculos com recheios de conversas torpes e sentimentalismos baratos. É o vazio que espelha o mundo de fora, onde o debate sobre o fulgás, o descartável, deve prevalecer sobre questões sérias da sociedade. Dentro da casa-show experimenta-se a liberdade de Oceania, com direito ao sono cronometrado e participações em festas exibicionistas, nas quais a luxúria fantasiosa ganha destaque para atiçar a estratégia mais bem elaborada do programa: o voyerismo em larga escala. É a medida da violência simbólica que coloca cerca de 65 milhões de telespectadores como protagonistas de um enredo que reproduz a violência social na forma de competição sob a batuta do Grande Irmão Global. É como a emissora entende a vida em sociedade.

Comentários

Reinofy Duarte disse…
Sabe, velho, ser vaporizado de maneira íntegra, penso, não é de todo mal. Um dia ainda me inscrevo no BBB, e falo toda a verdade ao vivo.

um abraço
Anônimo disse…
Precisamos divulgar que os "radicais" permanecem com a chama acesa. Com todo respeito, os que discordam desejam pertencer a manada.

Antonio Nelson Lopes Pereira
Anônimo disse…
Incrivelmente, quando alguém me chama de radical, acho que ouvi um elogio. Sempre ignoro a cara de nojo que eles fazem quando me no grupo dos radicais.

Que bom que você voltou a escrever seus textos radicais. Vou tomar o exemplo e atualizar o meu blog:imprensamarginal.blogspot.com

Boa Sorte!
Efraim Neto disse…
Essa é a famosa política mundial. Do verdadeiro controle social. Basta nadar contra a "correnteza".
Na verdade muitos de nós ainda sentamos à frente da TV para assistir uma programação, quando na verdade os programados somos nós.
Parabéns pelo textos.
E como diz Wilson Bueno.
"Um abraço radical"
Estou feliz pelo retorno dos que não foram. E desde já sugiro a leitura do seguinte texto: O jornalismo Big Brother. O link é: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=311TVQ005%20.
Caro Zeca, tenho uma definição muito clara sobre o sentido do Big Brother. E diferente do amigo Renofy Duarte, não acredito, na verdade, tenho certeza, que o que você escreveu nunca vai parmitir que ele participe do BBB. Enfim.
Outra dica sobre os mecanismos globais de dominação estética e ética, é a vinheta de início de ano que eles bolaram. Incrível ver o Jô Soares, Willian e Fátima vestido de macacão: "verdadeiros operários do império do Global".
Tenho escrito um ensaio chamado "Escritos Sobre a Greve", que é uma crítica à esquerda pós-moderna, mas, ao mesmo tempo, uma crítica ao revisionismo. Uma boa leitura e parabéns pela enfática argumentação.
Obs: acesse www.doispontospontocom.blogspot.com
Anônimo disse…
É Zeca, o que me deixa estarrecido é o envolvimento emocional dos telespectadores com o "jogo". Algo possível de notar corriqueiramente por ai. As pessoas esquecem da própria vida, dos problemas que enfrentam no dia-a-dia para juntar-se a "luta" do "Brother". Infelizmente. O êxito da emissora.

Saudações!
Vauline disse…
Apesar de não ser adepta ao "bigbrodismo", não o acho de todo mal. Como um perfeito laboratório, podemos observar o quanto a raça humana ainda é selvagem. Para mim, o grave é assistir ao Big Brother acreditando que tudo aquilo é verdade e sem qualquer intenção ou manipulação. Assistam, mas assistam conscientes.
Bj
Vauline Gonçalves
Não assistam não!!! Pelo amor de Deus!!! É muito tempo perdido!!! As ilusões já foram perdidas!!! Deixem o tempo em paz!!! Já basta e-mail, celulares, msn, pen drive e etc e tal.
Anônimo disse…
Todos se deixaram dominar... Até na hora de criticar esse tema é um dos mais lembrados. Quem não assiste que continue assim, e quem assiste...
Macello Medeiros disse…
Caríssimo, vc sabe tudo de big brother... imagine se não fosse "radicalmente contrário" hehehehe Nem eu que me dou o direito de ficar "narcotizado", de vez em quando, sei tanto sobre o programa rsssss abraço

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