Crime premeditado



Crônica de uma vilania anunciada. Para quem teve olhos críticos pra ver a edição da revista Veja de nº 2076, identificou um sofisticado estratagema. Com título “Vingança”, a matéria de capa trouxe uma vazia reportagem sobre o tema. Era uma senha. Decodificando-a com atenção, um aviso para o que viria no recheio: a vingança engendrada pelo mix de financista, chefe de quadrilha e espião Daniel Dantas contra as autoridades de segurança da República. Haviam o “incomodado” com a operação Satiagara. A mira de Dantas, por intermédio da Veja, foi Paulo Lacerda, diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e ex-diretor-geral da Polícia Federal. Lacerda há tempos andava no calcanhar de Dantas. Apresentando uma suposta gravação envolvendo dois personagens, o senador Demóstenes Torres (Dem-GO) e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, a “matéria” afirmava no enunciado: “Diálogo comprova que espiões do governo grampearam o presidente do Supremo Tribunal Federal. Autoridades federais e do Congresso também foram vigiadas”. O texto não aponta nenhuma linha de investigação e não traz qualquer elemento que indique a Abin como perpetradora da escuta. Sugere ilações, apenas. O delegado afastado da Satiagara, Protógenes Queiroz – a primeira vitória de Dantas -, desafiou a revista dos Civita a provar as supostas escutas. Nenhuma resposta. Mesmo assim, o impacto da matéria foi capaz de catapultar Lacerda do cargo. Foi a segunda vitória de Daniel Dantas. Jornalistas e órgãos de imprensa sérios já se encarregaram de desvendar a trama à exaustão. Vale é entender à luz de alguma análise teórica o estratagema semiótico da Veja. Trata-se de uma obra de “arte” de fazer inveja a Josef Goebbles, ministro da Propaganda de Adolf Hitler. O diretor sueco Peter Cohen, autor do filme Arquitetura da Destruição - que discorre sobre o “enredo artístico” de Hitler para justificar as barbáries por ele praticadas - teria argumentos de sobra para estabelecer uma ponte entre os dois episódios. Parodiando Paulo Henrique Amorim, a “última flor do fascio” agiu com raro senso de engenharia midiática. Cálculo racional. Talvez caso único de crime que se torna perfeito porque assumido e premeditado publicamente. A “arte” de tão bem feita hipnotizou o Palácio do Planalto que despachou Lacerda pra geladeira. E foi capaz também de turbinar a senha arbitrário-golpista de Gilmar Mendes, a ponto de o magistrado querer “chamar o presidente às falas”. Ele mesmo, o Gilmar que presenteou o quadrilheiro Dantas com dois hábeas corpus em menos de 48 horas. Dantas é branco e rico, ele pode. É esperar pra ver quais os próximos nós desse dantesco novelo. Dantas mira Lula, tenham certeza. Queiramos a República não seja incendiada e a culpa recaia nos bodes da ocasião. Esse filme já foi exibido na Alemanha em 1936.

Comentários

Augusto César disse…
Caro Popó, muito bem feita a sua análise, aliás, análise que merece ser lida e relida. Parabéns! Vamos adiante: a quem interessa a desarticulação das investigações da PF sobre esta quadrílha "organizada" que atua nos bastidores dos Poderes da República? Tenha certeza meu caro, não é a mim, nem a você e nem à grande parte da população brasileira. Interessa a uma casta, enlameada, sem moral e ética, que subtrai do país e de seus cidadãos recursos financeiros com o objetivo de aumentar e fomentar, cada vez mais, a cruel desigualdade social que vem reduzindo a capacidade de sobrevivência da população mais necessitada.
O que é mais triste e, até mesmo estarrecedor, é perceber que, autoridades que deveriam estar acima de qualquer suspeita, são as que mais as levantam. Acho, acho não, tenho certeza, rabos estão sujos e presos.
"Que país é esse...". Como é atual esta canção, não?
O pior disso tudo, é que, apesar de todas as denúncias da imprensa responsável, continuamos dando mais importância à ala do PIG - Partido da Imprensa Golpista, como diz o jornalista.
Continue sendo este grande articulista, analista e crítico que vc é, sempre antenado nos fatos.
Agraços.

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