Quando o rock no Brasil era atitude
Em tempos de jovens roqueiros engomadinhos e alguns
antigos com atitudes reacionárias e caquéticas, assistir Somos tão jovens, de Antônio Carlos da Fontoura, é balsâmico, nostálgico e catártico. Não esperem aqui uma
crítica. Não é. No máximo, um depoimento de quem viu o filme e vivenciou
aqueles momentos em Brasília. Sem pretensões estéticas, tô fora.
Fontoura amarra bem o roteiro que propõe. O início da
trajetória do cantor e compositor Renato Russo, falecido em outubro de 1996 e interpretado
por Thiago Mendonça, é a âncora que explica a sociogênese do chamado Rock
Brasília. Do Aborto Elétrico à Legião Urbana e a capital federal como berço do
punk tupiniquim.
Entre 1976 e 1982, enquanto o regime militar, já
convalescente, continuava mostrando seus dentes numa Brasília sufocada pela
repressão política, jovens da classe média se reuniam para driblar o ócio. A
cidade, à época, não oferecia entretenimento para rapazes e moças que afloravam
hormônios e rebeldia a granel. O jeito era o it your self. Rock de garagem e
festinhas sob forte influência do punk inglês, no ritmo e atitude.
Não precisavam de rigor técnico. Bastava empunhar a
guitarra e arriscar três acordes. Era o suficiente para eletrizar e
descarregar. Tédio com um T bem grande para quem os questionasse.
Renato Manfredini, mais tarde Russo, é fruto dessa atmosfera. Filho de um funcionário do Banco do
Brasil e de uma típica dona-de-casa, o jovem professor de inglês e estudante de
Jornalismo desagua paixões por meninas e meninos e fúrias contra o sistema
político vigente. Tabus bem caros àquele momento.
A película ganha verossimilhança com a magistral
interpretação de Thiago Mendonça. O ator incorpora o ídolo de várias gerações
reeditando jeitos e trajeitos do roqueiro. Em depoimento em vídeo ao portal G1, o guitarrista Dado Villa-Lobos, interpretado no filme pelo seu filho Nicolau,
confirma: "eu acho que a história desse filme é essa história (…) Está ali o
Renato Russo”.
E não só Renato
como a primeira leva da cena rocker brasiliense, permeada pelo troca-troca de
músicos que passavam de uma banda à outra como se mudassem de roupa. Plebe
Rude, Capital Inicial e outros grupos figuram no filme. Tudo é tão adolescente
e poético... A Brasília jovem era uma babel punk e sonhadora. A ordem era se
divertir e deixar a dança do pogo celebrar.
Para além do punk, o poeta é também o místico-intelectual que devora livros de Allen
Ginsgberg, poesias de Luís de Camões e faz referências ao Budismo e o Tao te
King. Suas letras e músicas são centrífugas desses emaranhados de inspirações.
Momentos sublimes
do filme, as belas canções Por enquanto,
dedicada ao fim do Aborto Elétrico, Ainda
é cedo, que Renato compôs para reatar a amizade da sua eterna amiga-amante-confidente
Aninha, e Que país é esse, pedrada de
engajamento político, resumem a veia poética do band leader que, seguramente, mais influenciou comportamentos e
atitudes na cena pop nacional. O trabalho de Fontoura só confirma que a Legião
é a banda extinta mais ativa do país e Renato Russo é a alma dela.
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