Luta pela neutralidade da Internet no Brasil é parte da ciberguerra política internacional
Acendeu a luz laranja.
Talvez a vermelha. "O governo defende a neutralidade, mantém a sua
posição, mas acredito que é possível superar alguns entraves com questões
redacionais". A afirmação é do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,
que acompanha pelo governo a tramitação do PL 2126/11, que dispõe sobre o Marco
Civil da Internet. A fala de Cardozo deixa dúvidas se o Planalto resistirá, de
fato, à pressão das operadoras de telefonia na legislação que determinará o
funcionamento da web no Brasil.
O relator do PL,
Alessandro Molon (PT-RJ), manteve no texto original a neutralidade da rede. No
entanto, o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), tem dado declarações manifestando
atender os interesses da indústria da telecom. As operadoras de telefonia
se opõem ao conceito de neutralidade conforme disposto no relatório de Molon.
Entendem que limita seus negócios.
O conceito de
neutralidade previsto no PL determina que não se pode depreciar o acesso a um
site ou determinado tipo de conteúdo. Ou seja, a aquisição por parte do
consumidor de 10 megabytes, por exemplo, significa que ele não pode ter esta
velocidade reduzida para acessar um site que não seja parceiro do provedor; ou
mesmo ter de pagar mais para acessar um vídeo ou usar aplicações em streaming.
O texto também deixa claro que a depreciação só poderá ocorrer por razões
técnicas.
As empresas da área
temem que, caso aprovado na íntegra, o PL possa impedir a venda de pacotes com
diferentes velocidades ou franquia de dados. A Vivo, Claro, TIM, GVT, Oi etc.
pretendem pôr “cercas” na web, que passaria a funcionar à semelhança da TV
paga. O usuário navegaria na net conforme o tipo de pacote adquirido. Esta
seria a primeira camada do problema.
A questão é, sobretudo,
política. Esta é a segunda camada. As corporações da indústria da telecom
intentam acessar os dados dos usuários para diversos fins. Vale lembrar que a
bisbilhotagem internacional perpetrada pelos EUA e denunciada pelo ex-espião
Edward Snowden teve o suporte logístico deste setor transnacional. E foi o fato
que motivou a decisão da presidenta Dilma Rousseff em pedir a aceleração do PL
no Congresso.
Não se faz mais
espionagem apenas com agências de Estado. Grupos de telecomunicações foram, e
são, partícipes determinantes dos crimes cibernéticos praticados pela Casa
Branca.
Controle político e
mercado se imbricam. Internautas têm sido presas fáceis neste enredo. Seus
dados viram mercadoria para o Facebook, Google e outros parceiros dos
panópticos sistemas de observação mundial. O ciberativista estadunidense Eli Parriser
apontou o problema em seu trabalho O filtro invisível (leia aqui a resenha).
Parriser sustenta que a
economia da atenção tem imposto à web uma espécie de mais do mesmo a milhões de
usuários. E este quadro pode piorar consideravelmente caso as corporações de
telefonia retalhem a rede em “fazendinhas” para os usuários-clientes. É quebrar
com o ideário da Internet como galáxia de informação e de livre busca de
conteúdos. Estratégia que também atinge em cheio a produção e difusão de
plataformas e softwares livres, uma vez que os pacotes tecnológicos certamente
virão amarrados às tecnologias associadas e difundidas pelas
operadoras.
Bom lembrar que durante
o levante da população do Egito contra o ditador Hosni Mubarak, o mesmo
Facebook acionado como plataforma para arregimentação de ativistas serviu
também ao monitoramento do levante por parte do serviço secreto
estadunidense.
“A vigilância
patrocinada pelo Estado é de fato um grande problema, que põe em risco a
própria estrutura de todas as democracias e seu funcionamento, mas também há a
vigilância privada e a potencial coleta de dados em massa por parte do setor
privado. Basta dar uma olhada no Google. Se você for um usuário-padrão, o
Google sabe com quem você se comunica, quem você conhece, o que está
pesquisando e, possivelmente, sua preferência sexual, sua religião e suas
crenças filosóficas”.
O alerta do O
ciberativista Jérémie Zimmermann está no livro Cypherpunks: a liberdade
e o futuro da Internet, de Julian Assange, editor-chefe do site WikiLeaks (leia aqui a resenha).
A denúncia de Zimmermann
corrobora com a luta em curso no Brasil, como de resto no mundo, acerca do
futuro da Internet. Os interesses escusos das operadoras de telefonia no país
integram-se, portanto, a uma disputa de ordem global. O lobby montado
no Congresso Nacional para pôr fim à neutralidade na web não está dissociado
desse projeto maior, que une estratégias econômicas e políticas num só pacote.
A Internet ainda
representa a última fronteira da mídia não garroteada, na sua lógica de
funcionamento, pelo neoliberalismo e seus desmembramentos políticos. A
liberdade de atuação na web sem censura do Estado e de corporações de mídia é o
que tem garantido canais de manifestação e voz a inúmeros segmentos da
sociedade. Antes da Internet não tinham por onde escoar conteúdos produzidos
fora dos filtros das corporações de mídia.
A ciberguerra que se põe
em curso é que norteará a consolidação ou não da radicalização da democracia,
seja no Brasil ou em qualquer outra parte do mundo. E a aprovação do Marco
Civil contemplando a neutralidade é o nó górdio dessa disputa na seara
brasileira, que terá expressivo impacto no round
internacional.
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