Cuba dezessete anos depois

Foto: Jorge Nascimento


Por Safira Caldas

“Para examinar a verdade é necessário, uma vez na vida, colocar todas as coisas em dúvida tanto quanto se possa.” René Descartes (1596-1650)

Havana 1996-1997

Anos dificílimos para os cubanos. A URSS, seu grande parceiro, havia “desmoronado” e os EUA exerciam o seu poder ditatorial, multando qualquer navio que ancorasse na ilha. Isto impedia até a chegada de remédios e marca-passos. Havia apagões e muitas e muitas necessidades. Muitos partiram e outros morreram tragicamente. Metaforicamente, era como um filho que perdera o “pai” que lhe sustentava financeiramente e psicologicamente. Cuba vivia o seu luto.
Entretanto, a prioridade da educação e da saúde foi mantida.. Visitei escolas e hospitais e vi, que mesmo de uma forma despojada, a dignidade do atendimento nestes setores fora mantida. A SOLIDARIEDADE de alguns não faltou e doações chegaram de várias partes do planeta.


Havana 2015
Foto: Carmen Medeiros

A surpresa começa no aeroporto José Martí. Profundas reformas foram feitas e já há lojas vendendo rum, “artesania” cubana, charutos, etc. Esperando o turbilhão de turistas que chegam de diversas partes do mundo, ônibus e micro-ônibus de fabricação chinesa os esperam.
O centro de Havana é um verdadeiro canteiro de obras. Dia e noite britadeiras sulcam velhos calçamentos, alargando e embelezando as ruas. Velhos hotéis são recuperados e novos estão sendo construídos a todo vapor. Não vivenciei nenhum apagão, apenas, houve falta de água no hotel uma manhã. O câmbio foi fácil !
Nas ruas a liberdade é visível. Segundo uma pessoa do meu grupo, havia uma pequena passeata com umas 20 pessoas, algumas com a camisa da CIA que pediam a queda do regime. Não foram incomodadas, porém foram solenemente ignoradas.
Apesar da proibição, muitos cubanos oferecem no câmbio negro venda de rum e charutos, o que não é aconselhável, pois, segundo o aviso dos guias da CUBANATUR (Empresa de turismo do governo cubano) esta compra é passível de criar problemas com a polícia, além de serem falsificados.
Até junho, está acontecendo uma Feira Internacional de Artes, o que coloriu mais ainda a cidade. Muitos eventos, muitas performances!
Não se vê nenhuma criança desacompanhada pelas ruas e algumas uniformizadas estão acompanhadas por adultos. Vi uma escola de Jardim de Infância muito bem conservada. A educação, a saúde, o enterro são gratuitos.
Foto: Carmen Medeiros
A prioridade do acesso à internet é dada para os que mais necessitam dela, como por exemplo, jornalistas. Sobre a famosa blogueira (por aqui) muitos não sabem quem ela é!
Muitos falam com orgulho dos seus médicos que partem para a África e outros lugares para ajudar outros países. Outros temem perder suas conquistas pós revolução.
A produção dos famosos charutos já não é monopólio totalmente do Estado. Muitos pequenos campesinos já podem ter parceria com o governo. Pequenas lojas de marcas famosas, começam a despontar na Rua O Bispo e até Coca-Cola fabricada no México, aparece timidamente em alguns restaurantes
A velha e bonita “Guayabera” (linda camisa de algodão bordada) que era quase um uniforme dos cubanos já está sendo substituída por camisetas. Vi , pelo menos, duas já com a inscrição “MIAMI”.
O jogo é proibido, entretanto, há um “jogo de bicho” clandestino que segue o resultado da loteria de Miami.

Alguns cubanos nos falam das novelas brasileiras e acreditam que elas reproduzem fielmente a nossa realidade. Muitas vezes aproveitam este momento para pedir um “regalo”.
Parecem muito saudáveis e mostram dentes muitos bem cuidados. Quando elogiamos, falam que o serviço odontológico (gratuito) é de ótima qualidade.
O Malecon que possui 7 km de extensão está revitalizado e no final das tardes ensolaradas de Havana, assistir o por do sol é uma festa compartilhada por turistas e cubanos.
Alguns se queixam que desejam viajar e ter mais pares de tênis. Enfim, lutar contra o consumismo é difícil. Sempre citam os que partiram para o Canadá ou Miami e dizem que estes, hoje, estão ricos. Parece que o canto da sereia engana alguns.
Viajamos pelo interior: Santa Clara (O memorial do Che é emocionante), Trindade, Cayo das Brujas (praia belíssima). As estradas estão ótimas.
Enfim, vale a pena ir a Cuba e caminhar a qualquer hora da noite sem medo de ser assaltado e sem engarrafamento. E não esquecer de comer um "chivirico" vendido nas ruas (parece cavaco). Torço para que Cuba se torne uma adulta sensata e não esqueça suas conquistas.

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