Um alô para Fernando Souza
Radical. Assim fui taxado pelo amigo Fernando Souza durante mesas drinqueiras da passagem do ano. Radical por que, Fernando? Aqui estou eu a meditar com meus translúcidos botões. Da palavra não se pode, e não se deve, denotar preconceitos ou sentidos senão aqueles que de fato o termo remeta. Ou mereça. Radical vem de raiz, que é radical da mesma palavra. Mas serve também como significado para significantes diversos. O menu é vasto. No meu caso, por conotação ideológica, penso. Tá bom, então eu sou radical e sua posição é destendida, flexível e capaz de absorver vasta gama de idéias, certo Fernando? Ok. Há, sim, também fui rotulado de “stalinista” pelo mesmo interlocutor, portanto sou um “stalinista radical”. Não é isso mesmo, Fernando?
Aos fatos. O que me impressiona sobremaneira nas argumentações do meu amigo é a possibilidade do rótulo a mim imputado servir muito mais àquele que me imputa. Explico. Um dos pomos da discórdia é o fato do caríssimo Fernando martelar teclas tão antigas quanto à passagem da Guerra Fria. O georgiano Josef Vissarionovitch Stalin morreu em março de 1953 e realmente fora perpetrador de um regime assassino, o que não é negado por ninguém, nem tão pouco por pensadores de esquerda que a este se opuseram tenazmente. A lista é vasta, a começar por Trotsky, incluindo também Lucaks, Marcuse, Walter Benjamin, Gramsci, Theodor Adorno e tantos e tantos. Mas para saber desses intercursos da história é preciso conhecê-la, o que acho ser uma grande lacuna do caro Fernando.
Não, Fernando, não sou stalinista. Nunca fui, saiba. Ao contrário, sempre cultivei sentimentos libertários e que extrapolam linhas de condutas ideológicas. E ajo assim pelo fato de buscar entender a história como processo, mantendo distância de paixões. Não sou monge e a mim não cabem camisas-de-força discursivas ou partidarizadas. No entanto, sempre procurei ser coerente com minhas inclinações existenciais e políticas. Coerência é importante, viu Fernando? Se deixar levar por ladainhas orquestradas pelas famíglias Civita, Marinho, Mesquita, Frias e outras pode ser danoso ao raciocínio.
Sabe, Fernando, quando vi a campanha do seu candidato José Serra fazer aliança com a Opus Dei, TFP, grupos fascistas e sites nazistas passei a pensar o que seria, de fato, radicalismo. Foi um debate tão “suave”, não foi? Enquanto Mônica Serra afirmava que Dilma Rousseff “mataria criancinhas”, bispos católicos e pastores fundamentalistas reeditavam em 2010 a marcha de Deus com a família e pela propriedade. Saudades da quartelada de 1964? Talvez. E, friso, era tudo tão “suave”, não é mesmo? Aqueles discursos homofóbicos, a reunião com os milicos de pijama no Clube das Forças Armadas, no Rio, a vociferação contra a união civil de pessoas do mesmo sexo, o ódio contra os sem-terra e os sem-teto, a hipocrisia com o tema do aborto, e, depois das eleições, o preconceito contra os nordestinos. Que bela campanha “light”, hein Fernando? Chego a imaginar que Torquemada, aquele inquisidor espanhol que queimou milhares na fogueira, tenha virado fichinha junto à entourage de Serra.
E você, hein Fernando, que tanto argumenta sobre a aliança com Sarney, já pensou como ficariam as florestas e o meio rural do Brasil sob a batuta de Kátia Abreu, a ruralista escravocrata aliada de Serra? E quantos aquilatados “democratas” marcharam com seu candidato? Creio que vários, não é mesmo? Indio da Costa então, que belo e invejável exemplar de democrata!
Sabe qual o problema da informação, Fernando? É que quando não é bem feita e dosada ela passa a ser deformação. A propósito, sobre isso me lembro de um dos últimos pronunciamentos de um brilhante escritor o qual você lia na paradisíaca Praia do Guaibim, José Saramago. Comunista histórico, não stalinista, Saramago mostrava-se bastante inquieto com a desinformação das pessoas neste alvorecer do século XXI, momento que ele taxou de “traição do iluminismo”. Para o escritor, o bombardeio midiático intermitente sob o controle das corporações estava levando substantivas parcelas da população a pensar e agir conforme seus padrões ideológicos. Será? Ou você passou a aprender diferente com Saramago? Tomara.
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