A Internet como último front
Batalha digital em
curso. Garantir a livre circulação de ideias ante a opressão de estados e
corporações econômicas sobre os cidadãos de todos os países. Em Cypherpunks[1]: a liberdade e o futuro da
Internet, Julian Assange, editor-chefe do WikiLeaks, e os ciberativistas Jacob
Applebaum, Andy Müller-Maguhn e Jérémie Zimmermann discutem detalhes dessa
guerra silenciosa e crucial para o destino da humanidade.
Os debates
travados ao longo das 163 páginas do livro alertam: está em jogo o ideário
pensado pelos ativistas californianos nos anos 80 que suergueram a rede. A
utopia na comunhão global de ideias e culturas tem se transformando numa
arapuca para milhões de pessoas. Presas fáceis que estão tendo seus dados
pessoais monitorados pelos serviços secretos de governos e utilizados como
mercadoria pelo Facebook, Google e outros, parceiros e partícipes dos
panópticos sistemas de controle mundial.
“Muitos escritores
já refletiram sobre o que a Internet significa para a civilização global, mas
eles enganaram-se. Enganaram-se porque não têm a perspectiva da experiência
direta. Enganaram-se porque nunca se viram cara a cara com o inimigo”, afirma
Assange.
A maior parte do
livro, na verdade, decorre da decupação de alguns vídeos veiculados na série de
programas O mundo
amanhã, entrevistas conduzidas por Julian Assange dentro da Embaixada do
Equador, em Londres, onde vive exílio sui generis para não ser preso pelas
autoridades inglesas e extraditado para a Suécia (veja
aqui o caso).
Sob a bandeira
cypherpunk, “Privacidade para os fracos, transparência para os poderosos”, a
conversa gira em torno dos modelos de perseguições, censura, monitoramento e as
perspectivas de enfrentamento.
No Egito, por
exemplo, muitos deram loas ao Facebook como um dos protagonistas de destaque do
levante civil no Cairo, em 2008; mas poucos sabem que as pessoas que usaram o
site para protestar foram rastreadas.
Empresas de
cartões de crédito, companhias telefônicas, sites de relacionamento e grupos de
segurança privada constituem a base desse controle. Não só monitoram para
aferir dividendos econômicos, mas, sobretudo, no intuito de tabelar com regimes
políticos pouco transparentes.
“A vigilância
patrocinada pelo Estado é de fato um grande problema, que põe em risco a
própria estrutura de todas as democracias e seu funcionamento, mas também há a
vigilância privada e a potencial coleta de dados em massa por parte do setor
privado. Basta dar uma olhada no Google. Se você for um usuário-padrão, o
Google sabe com quem você se comunica, quem você conhece, o que está
pesquisando e, possivelmente, sua preferência sexual, sua religião e suas
crenças filosóficas”, denuncia Jérémie Zimmermann.
Sim, o Google e o
Facebbok são capazes de identificar a busca feita por determinado usuário há
dois anos, três dias e quatro horas. E a fronteira entre esses mastodontes da
Internet e o setor público é cada vez mais rarefeita. A Agência de Segurança
Nacional dos EUA atua em sintonia com essas empresas.
Assange e companheiros afirmam estar diante de uma arquitetura
jurídico-política-financeira-tecnológica que atinge diretamente a liberdade dos
usuários. “Duas companhias de crédito, ambas com uma infraestrutura eletrônica
de autorização centralizada nos Estados Unidos – o que implica acesso aos dados
na jurisdição norte-americana -, controlam a maioria dos pagamentos em cartão
de crédito no planeta”, explica Andy Müller Maguhn. A sangria financeira contra
o WikiLeaks ilustra bem essa situação.
Os relatos dos
ciberguerrilheiros, no entanto, não são apenas lamentos e impotência. É guerra.
E a munição mais poderosa é a matemática. “É preciso reconhecer que, com a
criptografia, nem toda violência do mundo poderá resolver uma equação”, desafia
Jacob Applebaum. Eles apostam nas camadas criptográficas como escudo invisível
contra a bisbilhotagem.
Numa outra frente,
o combate político a projetos de leis como o Stop Online Piracy Act (SOPA) – Lei de Combate à Pirataria on Line
– e o Protect IP Ac (PIPA) – Ato para
Proteção de Propriedade Intelectual. Propostas que chegaram a tramitar no
Congresso dos EUA mas foram rechaçadas por intensa mobilização da sociedade
civil nacional e internacional. Caso aprovadas, o download ou compartilhamento
de uma música se constituiria em crime e encarceramento. No Brasil, um projeto
de lei do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) trilha percurso semelhante.
No campo econômico, a ideia é buscar se desvencilhar dos ditames impostos
pelos corporações financeiras mediante a adoção de uma moeda voltada à Internet.
O “bitcoin” se encarregaria de atuar de forma descentralizada, angariando
adesões. “(…) Então, em vez de ter um Banco Central, temos um bando de pessoas
no mundo inteiro que decidem em conscenso qual é a realidade e qual o câmbio
atual”, defende Appelbaum.
Na opinião de Julian Assange, a Internet traz o elemento da
universalidade e as entidades que a ocupam, a exemplo do WikiLeaks, constituem
organizações pós-Estado em função da falta de controle geográfico.
Cypherpunks é mais um trabalho que aponta vetores futuros para a rede e
expõe o embate entre a distopia e a utopia. A edição brasileira do livro,
lançado pela Boitempo Editorial, ganha apresentação da jornalista Natália
Viana, coeditora da Agência Pública, e um
prefácio para a América Latina do próprio Julian Assange.
[1]
Criado
nos anos 90, o movimento se ampliou no auge das chamadas “criptoguerras” e após
a censura da Internet em 2011, na Primavera Árabe. O termo deriva das palavras
chiper (escrita cifrada) e punk. Foi incluído no Oxford English Dictionary em
2006.
Comentários
A força da psicanálise nas estruturas do capitalismo através da psiquiatria discernindo quem é “louco” e quem é “normal” confere ao Estado o estatuto de "verdade" legando para os seus “contestadores” o estatuto de loucos. Dai se faz necessário que o próprio social, que criou essa nova tecnologia, se utilize dela para obter provas contra o Estado escapando ao estigma de “loucos” por contestar e mostrar a “verdade” simulada pelos meios de comunicação – os Cyberpunks!
Com os “Cyberpunks” fica claro a análise lacaniana acerca de um inconsciente social que “se estrutura tal qual a linguagem” das imagens de TV (complementando-o). Sendo preciso criar uma rede Pirata onde circule as verdadeiras informações. Entendem porque a Pirataria é um problema para o Estado? A revolução então se encontra na capacidade de decodificar os códigos impostos pelas informações que circulam nos meios de comunicação, enxergar a grande “simulação” e em seguida analisar seus “simulacros”, nesse sentido podemos ampliar nossa percepção e estreitar o abismo que separa Cultura de Natureza.