A "arte" de fomentar um golpe: O dia que durou 21 anos


Terrorismo econômico e escândalo político seletivo e oportunista. A mídia corporativa nativa cria a agenda com o auxílio luxuoso do Departamento de Estado dos Estados Unidos para levar à instabilidade institucional. Não, não estamos falando da conjuntura atual do país e sim do Brasil de 1964. A fórmula é velha, sabe-se, mas foi este o enredo que levou ao golpe militar naquele ano. E não é coincidência.
O dia que durou 21 anos, documentário dirigido por Camilo Tavares, com produção do seu pai, o jornalista Flávio Tavares, ex-preso político torturado pelo regime, reúne documentos inéditos sobre o episódio que retardou em, pelo menos, 40 anos o desenvolvimento brasileiro. O trabalho, de 117 minutos, é uma co-produção da Pequi Filmes e TV Brasil.
O filme expõe as vísceras do envolvimento do governo estadunidense no episódio. Processo iniciado ainda em 1962 com o presidente John Kennedy e levado a cabo pelo seu sucessor, Lyndon Johnson. A ordem era tirar o presidente João Goulart do poder, desde que ele assumira o comando do país, em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros.
O documentário é didático. Explica com riqueza de detalhes a crise para o retorno de Goulart, a emenda parlamentarista que lhe tirou força política, o plebiscito que reconduziu o Brasil ao sistema presidencialista e o desfecho golpista, ocorrido na madrugada de 31 de março para 1 de abril de 1964.
Nos bastidores, a atuação de autoridades dos EUA, como o embaixador Lincoln Gordon e o adido militar, general Vernon Walters. São provas cabais. Documentos e gravações em áudio são apresentados e trazem à baila diálogos entre Gordon e o primeiro escalão estadunidense. As conversas incluem o presidente Johnson, o secretário de Estado Dean Rusk e o secretário da Defesa, Robert McNamara, entre outros personagens.
Enquanto isso, no Brasil, entidades estadunidenses atuam na conspiração. O Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Insituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), grupos teleguiados pela CIA, se encarregam de despejar milhões de dólares na imprensa e na compra de apoio parlamentar à conspirata.
Na agenda política do governo, as chamadas reformas de base - reforma agrária, política e tributária, junto a outras medidas - deixam as elites e setores expressivos da classe média apreensivos ante o perigo da implantação de um “governo sindicalista de inclinação de esquerda”.
A paranóia anti-comunista cai como uma luva no imaginário desses setores. A direita sai às ruas e leva milhares para a “Marcha com Deus, pela família e pela propriedade”. Empresários, imprensa e políticos inclinados ao golpe alimentam a iminência de uma revolução comunista. Sentimento que serve como amálgama aos intentos estadunidenses, que vêem seus interesses econômicos ameaçados.
Também figuram depoimentos interessantes, como de oficiais legalistas que foram cassados pela quartelada, sendo que um deles lamenta a ausência de resistência por parte das forças do governo. “Foi tudo muito pacífico”, lembra. 
A Operação Brother Sam também é citada. Washington autoriza o envio de forças militares para pressionar a queda de Goulart. A decisão é demonstrada em áudio. “Tudo o que precisarmos fazer. Vamos pôr nosso pescoço para fora (nos arriscar)”.
O golpe é dado e o país mergulha em 21 anos de trevas. Cassações, torturas, assassinatos e toda tipo de violência são cometidos pelas forças de repressão. E o pior é que essas mesmas ameaças continuam a pairar sobre o país. O filme dos Tavares serve como vacina e alerta. Imperdível.

Vejam trailer

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