Dores, sofrimentos e comédias. Ou quando a juíza abre o coração
Foi um acaso.
Serendipidades que não presumimos vir ocorrer. Encontro fortuito no ambiente de
trabalho com uma colega. Papo rápido em frente ao cafezinho, mas suficiente para
destilar angústias e incômodos que a vida traz. “Estou lendo um livro
fantástico, escrito por uma juíza e que narra algumas situações ao longo dos
seus 15 anos de atuação nas varas de família do Rio de Janeiro”. No dia
seguinte chegava às minhas mãos A vida
não é justa, de Andréa Pachá.
Foi um presente.
Nos últimos anos dedicado à leitura de livros e textos acadêmicos, afundado em
toneladas de ensaios, artigos e publicações especializadas, abri um hiato para
ler aquelas histórias. Emocionei, chorei, ri e, também, de alguma forma, me vi.
Para quem já passou por duas separações…
Quem imagina um
texto duro, juridiquês pesado, se engana com Pachá. A juíza retira a toga e
abre o coração. Com refinado estilo e uma narrativa suave, inteligente,
perpicaz e doce, a magistrada descreve sucintamente dramas e desencontros de
casais, pais e filhos. A tormenta dos desenlaces conjugais nivela ricos,
pobres, classe média e favelados. O sofrimento transcende as condições sociais
daqueles que o atravessam.
Andréa divide o
livro em quatro eixos temáticos. Amores líquidos; Pais e filhos; Realidade
ampliada; e Recomeços. Seja a separação de um jovem casal abastado para o qual
o casamento foi só uma festa que durou três meses; a decisão consensual de
pedir o divórcio e sair de mãos dadas do fórum aos prantos; disputas por
heranças e pensões; as duas famílias de Zé Pernambuco; a senhora de 64 anos que
assumiu o avatar de “Molhadinha25” na Internet e deixou o marido pocesso; exames
de paternidade; lamentos de crianças e adolescentes cujos pais tomam rumos
diferentes, entre outras.
Ainda que em
todas as situações descritas a juíza não decline de expôr suas decisões, ela
intervem na mediação dos processos observando as relações humanas. A letra fria
da lei é o que menos importa. Sua percepção e, sobretudo, interpretação e
aplicação das sentenças decorrem do entendimento da vida num aspecto mais
elevado. Andréa aconselha, conversa, escuta, opina e, por vezes, se deixa levar
por recônditas emoções que procura enjaular. Sim, a juíza também sente. E respeita
a todos.
Não há certos
nem errados. A condição humana, por si, já é factível de erros. São os designos
da existência que levam homens e mulheres a buscar o Estado para desenrolar
novelos que movem paixões, desamores, rancores, frustrações ou disputas
meramente materiais. Com passagem na área de produção teatral, Andréa Pachá se
coloca na condição de arbitrar destinos nesse grande palco que é a vida. E que
não é justa.
O livro tem 190
páginas e foi publicado pela editora Agir. Conta com as apresentações dos
escritores Zuenir Ventura – capa – e Alcione Araújo.
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