Daniel Blake é a representação do drama de milhões de pessoas


Após sofrer enfarte, um homem quase sexagenário tenta desesperadamente conseguir o benefício do governo inglês porque está impedido de trabalhar. O carpinteiro viúvo Daniel Blake é um número a mais no registro da pesada burocracia do Estado. Luta contra os micropoderes constituídos para provar o óbvio.
O desafio é adentrar na labiríntica máquina estatal que terceiriza à iniciativa privada o poder de decidir sobre a sobrevivência de seres humanos. No decorrer da sua jornada inglória, Blake conhece Katie, desempregada de 35 anos e mãe de Dylan e Dayse.
Ela busca desesperadamente uma alternativa à sobrevivência com seus filhos. Prestes a irem para um albergue de desabrigados em Londres, a família opta por residir num alojamento a 480 quilômetros da capital. O carpinteiro os socorre e oferece apoio enquanto gasta as parcas economias para quitar as contas que se acumulam. Dores e dramas se juntam.
Na trilha kafkaniana que percorre, Blake se depara com sua inabilidade em procedimentos que exigem conhecimentos para lidar com portais de serviços públicos na Internet, tão labirínticos e burocráticos quanto os atendimentos presenciais. Quando não, enfrenta o calvário de intermináveis ligações para atendentes de telemarketing que agem como blocos de gelo frente ao desespero alheio. Fardo pesado para um operário do Nordeste da Inglaterra. 
O drama britânico-franco-belga, 100 minutos, dirigido por Ken Loach e escrito por Paul Paul Laverty, é o retrato sombrio do neoliberalismo: prestar contas às demandas de ajustes fiscais que fomentam sociedades cada vez mais desiguais e pobres, nas quais as populações menos favorecidas é que arcam com o sacrifício de manter a estabilidade econômica das minorias.
Não sem razão que o filme tem sido avaliado como oportuno intertexto face à situação política e econômica do Brasil pós golpe, onde a conta da crise do capitalismo está gradativamente sendo debitada nas costas dos trabalhadores, condenados a trabalhar velhice adentro para manter o status quo das elites brasileiras. Em algumas salas, o final de exibição tem sido precedido por sonoras palavras de ordem “Fora Temer”. Sobra nexo.      
Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes do ano passado, onde o filme estreou, a produção teve os apoios do British Film Institute e da BBC Films. O ator Dave Johns interpreta o personagem principal, Daniel Blake, e a atriz Hayley Squires vive Katie, a mãe desempregada.

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