Honduras: o porque do golpe

por Nikolas Kozloff, em Counterpunch

Tradução: Caia Fittipaldi

Que forças sociais e políticas escondem-se no coração do golpe de domingo passado em Honduras? Comecemos por examinar o papel de Roberto Micheletti, o homem que Hugo Chávez adora odiar. Ex-presidente do Congresso Nacional, Micheletti, no domingo, autodeclarou-se novo presidente de Honduras. Substituiu o presidente Manuel Zelaya, político que, nos últimos anos, moveu-se claramente em direção a posições políticas e econômicas mais progressistas. Membro do Partido Liberal de Zelaya, Micheletti é graduado em administração de negócios nos EUA e trabalhou como presidentemda empresa estatal de telecomunicações de Honduras, Hondutel, no final da década dos 90s. Enquanto esteve na presidência da Hondutel, Micheletti empenhou-se muito para privatizar a empresa.
Crente fiel das chamadas "reformas neoliberais", Micheletti entrou em rota de colizão com o governo Zelaya que chegou ao poder no início de 2006. Depois de deixar a presidência da Hondutel, Micheletti apresentou projetos de lei para reduzir muito as tarifas cobradas pela Hondutel. Zelaya e a empresa Hondutel condenaram os projetos apresentados por Micheletti, sob o argumento de que as tarifas super baixas reduziriam ainda mais os ganhos da empresa. Por muitos anos, as tarifas para chamadas de longa distância haviam sido fonte de lucros significativos para o governo. Depois, a Hondutel foi desregulamentada e perdeu o monopólio absoluto sobre as chamadas de longa distância, telefones fixos e serviços de telex. Como signatária do CAFTA (ing. "Central American Free Trade Agreement", Acordo de Comércio para a América Central), Honduras estava obrigada a reformar a legislação das telecomunicações, de modo a criar condições que atraíssem parceiros privados. Observadores, naquele momento, insistiam em que aquelas reformas seriam o primeiro passo para privatização em maior escala. Zelaya foi um dos mais fervorosos adversários da reforma das telecomunicações, e declarou que a reforma prevista só beneficiaria o setor privado e gradualmente enfraqueceria o controle que o Estado hondurenho ainda tinha sobre os serviços de longa distância.
Micheletti sempre foi parte de uma influente elite de empresários que, dia a dia, passou a distanciar-se do governo Zelaya, considerado 'excessivamente' progressista. Em Honduras, as campanhas eleitorais são financiadas quase exclusivamente pelos empresários mais poderosos. São tão poderosos e tão associados ao sistema político, que se pode dizer que os empresários fazem os presidentes e ditam toda a agenda da mídia. Em entrevista ao Inter Press Service, um dos assessores do governo de Zelaya disse que os grupos econômicos hondurenhos são "insaciáveis; nunca param de pedir e pedir (...). Numa reunião com o presidente Manuel Zelaya, disseram que, nos anos 1980s, todas as principais decisões políticas eram discutidas com os militares; mas que, agora, tudo teria de ser discutido com eles, quer dizer: com os empresários e a mídia.” Nessa reunião, um dos empresários teria dito ao presidente “Você é temporário. Nós somos permanentes. Queremos ser consultados nas decisões de governo, queremos contratos e queremos participar de licitações e concorrências. E queremos contratos para a publicidade oficial.”
Aparentemente, Zelaya não se deixou intimidar e instituiu aumento de 60% no salário mínimo, o que enfureceu a comunidade dos negócios. Quando as associações de empresários anunciaram na Corte Suprema de Honduras que não cumpririam o decreto do salário mínimo, o ministro do Trabalho de Zelaya declarou aos jornais que os críticos do governo eram "exploradores gananciosos".
Um grupo particularmente ácido nas críticas à medida de Zelaya foi o Honduran National Business Council, conhecido pela sigla em espanhol COHEP . Amílcar Bulnes, presidente do COHEP, argumentou que se o governo insistisse naquele aumento do salário mínimo, os empresários seriam obrigados a demitir em massa, o que aumentaria o desemprego. Principal entidade representativa dos empresários em Honduras, a COHEP reúne 60 associações comerciais e câmaras de comércio, representando praticamente todos os setores da economia de Honduras. Como se lê no website da COHEP, aqueles empresários são o braço político e técnico do setor privado hondurenho – e apoiam os acordos comerciais e oferecem "apoio crítico ao sistema democrático".
A COHEP apoiou e apoia o golpe contra o governo de Zelaya. A comunidade internacional não poderá impôr sanções econômicas contra o novo governo, diz a COHEP, porque isso tornaria ainda mais graves os problemas sociais em Honduras. Em seu novo e muito recente papel, de 'representante' dos pobres hondurenhos, a COHEP já declarou que Honduras já sofre demais; foram terremotos, chuvas torrenciais e a crise financeira global. Antes de punir o novo governo de Honduras – prossegue o argumento dos empresários da COHEP – a ONU e a OEA devem mandar observadores a Honduras para que examinem e avaliem os prejuízos que advirão se se implantarem sanções econômicas contra os 70% da população que vive em condições miseráveis.
Ao mesmo tempo, Bulnes já anunciou que apoia o governo de Micheletti; declarou que as condições políticas em Honduras não são propícias, e que Zelaya não deve voltar ao país.
Micheletti e o empresariado receberam apoio de militares treinados nos EUA, sem o qual não teriam conseguido prender o presidente Zelaya. Dois generais, Romeo Vasquez e Javier Suazo tiveram papel-chave no golpe. Ambos são formados pela infame US School of the Americas[1], centro de treinamento de todas as polícias que torturam dissidentes políticos em toda a América Latina desde os anos 60s.
Há várias semelhanças entre o golpe que afastou Zelaya do governo de Honduras e o golpe da Venezuela. Em 2002, outro Vasquez, Efraín Vasquez, foi o cabeça do golpe contra Hugo Chávez. Como em Honduras, Efraín Vasquez também é egresso da School of the Americas. Como comandante-em-chefe do exército, teve encontros, hoje já conhecidos, com Otto Reich, do Departamento de Estado dos EUA, antes do golpe. Dia 11/4/2002, Vasquez foi o único militar de alta patente que exigiu a renúncia de Chávez. Como se lê em meu primeiro livro, Hugo Chávez: Oil, Politics and the Challenge to the U.S. (Palgrave, 2006), Vasquez impediu o deslocamento de tropas escaladas para fazer a proteção pessoal do presidente no palácio presidencial. No dia seguinte, Vasquez negociou a saída de Chávez e organizou o movimento de tropas e soldados para desarmar e dispersar os grupos de cidadãos aliados do presidente eleito.
Como em Honduras, os militares estavam associados à elite empresarial. Ditador por um dia, Pedro Carmona era membro dirigente da Fedecámeras, associação empresarial semelhante à COHEP de Honduras. Em Caracas, a Fedecámeras deu voz à elite dos empresários pró globalização que temia as políticas sociais e econômicas de Chávez. Carmona, executivo da indústria petroquímica, sempre denunciou os movimentos de Chávez com vistas a aumentar o controle sobre a empresa estatal de petróleo da Venezuela.
Hoje, ainda são os militares treinados nos EUA e a elite das corporações globais que mais ativamente buscam interromper o fluxo de mudanças na América Latina. Como sempre, são essas duas forças, que sempre operaram juntas, que ainda conseguem derrubar governos.

* Nikolas Kozloffé autor de Revolution! South America and
the Rise of the New Left (Palgrave-Macmillan, 2008)

O artigo original, em inglês, pode ser lido em:
http://www.counterpunch.org/kozloff07062009.html

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