O privilégio num mar de exclusão


É com razão que o sociólogo francês Löic Wacquant entende o neoliberalismo como um “Estado penal”. Autor de dois livros sobre o tema, As Prisões da Miséria e Punir os Pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos, Wacquant aponta o Estado neoliberal, globalizado, como agenciador do repúdio da classe dominante pelos miseráveis, o que ocasiona uma política de isolamento e repressão a esses indesejados. É quando o individualismo surge próspero neste meio, atitude que promove o distanciamento entre os indivíduos. O eu ocupa o lugar do nós, conduta responsável por promover, também, a competição ferrenha pelo "sucesso". Afinal de contas, o relevante na contemporaneidade é a aparência "limpa" e o “espetáculo”. No caso do Brasil, a busca dessa “assepsia” social toma conta da agenda nacional à medida que cresce a marginalização na sociedade, já que a mesma é vista pela grande mídia e pela maioria dos operadores jurídicos de forma atomizada e deslocada do seu contexto original. A violência seria alguma coisa de “anormal” numa sociedade de “normais”, formada por pacatos, honestos e éticos cidadãos pagadores de impostos. Um elemento perturbador num ambiente supostamente sem contradições gritantes e abismais diferenças sociais. Em matéria publicada em setembro do ano passado, a revista Exame, uma das publicações mais cortejadas pela elite econômica nacional, perguntava: Privatizar resolve? A matéria sugeria que “Para enfrentar a situação caótica das penitenciárias, a saída é diminuir o papel do Estado no sistema”. Com texto sofrível em termos de fonte e tendenciosa ao extremo, a matéria fazia malabarismos com estatísticas para apontar a necessidade do sistema penitencial ser privatizado. Lucros. Isso mesmo, a exclusão social e seus efeitos como geradores de lucro para pequenas e abastadas parcelas da população, como bem tematiza o filme de Sérgio Bianchi, Quanto vale ou é por quilo? Nesse caso, o lucro com a carceragem segue a mesma lógica que leva à explicação “racional” da educação e saúde privadas. E lucra-se justamente à custa daqueles que não são contemplados devidamente com políticas públicas nas áreas de educação e saúde. Um ciclo contínuo de reificação da exclusão. Não à toa a insistência na tese “salvacionista” da diminuição da maioridade penal levada a cabo pelos grandes meios de comunicação do país. Isso significaria o aumento do contingente das comunidades carcerárias, o que resultaria num grande mercado para aqueles interessados na privatização da segurança pública. Sai o Estado e entram as empresas de segurança privadas. Sabe-se que a maioria dos presos sentenciados no país está atrás das grades por pequenos delitos. O roubo de um quilo de açúcar, um sabonete, uma barra de cereal, uma fruta, um shampoo etc. E à medida que essa massa de encarcerados cresce, crescem também as organizações criminosas. Estamos diante do retorno à Idade Média na chamada pós-modernidade. Sociedades com Estados diminutos e ineficazes protegidas por seguranças particulares, verdadeiros feudos em meio a mares de exclusão social que almejam e planejam ataques para saquear os pequenos paraísos “civilizatórios”. Uma neobarbarização do processo social e econômico com o arranjo político de uma perversa atmosfera de vigilância contínua sobre todos. É o Estado sem estado que se esvai na submissão de vontades particulares em detrimento dos interesses coletivos. Um jogo marcado pela corrosão dos direitos sociais e trabalhistas onde impera a “ordem” a partir dos interesses imediatos do capital. Quem tiver a boca maior que morda a maior fatia, não importando o restante. E em caso de insubordinação, a prisão e a conseqüente punição. Como diria Michel Foucault, Vigiar e punir.

Comentários

Anônimo disse…
Olá Professor! Mais uma vez eu por aqui. Fantástico texto! mais uma vez parabéns!
Olha coloqei um link de seu blog, no meu humilde blog.Gosto muito do que o sr. escreve. Gostaria se possível quando tivesse tempo desse uma passadinha lá e fizesse coment´rios... me ajude, pois sou leigo, tenho formação de 2 grau, aenas gosto de escrever as minhas reflexões, e quero melhora-las do ponto de vista jornalístico. Help!! Beijos!
http://miguelnovais.blog.terra.com.br
Guigus disse…
Enquanto isso seguimos comprando, entregues a prazeres imediatos, individuais, deslocados das grandes questões sociais. "Meu pirão primeiro"!!!
Verena Paranhos disse…
Zeca!
enfim saiu a resenha de mother night. dê uma olhada:
http://les-jours.blogspot.com/
Anônimo disse…
Por incrivel que pareça, a imagem ainda diz mais do que todas as palavras!
Renata disse…
Concordo plenamente com a Juliana!
Assino em baixo!
Professor, passa no meu blog e vê o que o senhor acha, ok?!
www.ideiasderenata.blogspot.com

bjo
Verena Paranhos disse…
Fico lisonjeada com a crítica, mas não quero cometer o grave erro de já me sentir pronta, tenho muito ainda a aprender...
espero um dia poder trabalhar com você.
Abraço,
verena
Anônimo disse…
Zeca, não vejo muito com o que me preocupar diante do assunto abordado. Vamos privatizar mesmo. Essa é A solução. Inclusive será proposto a privatização do governo. Aliás deixe. Ele já é constantemente comprado. =/ Mas já que o governo já é vendido, acho que seria bom eu vender meu cabelo, minhas unhas e pagar algo como o pedágio pra poder utilizá-los. =D

Postagens mais visitadas deste blog

O Papa que a Globo não mostrou

Membro da Coordenação Nacional do Movimento da População de Rua acusa Prefeitura de Salvador de praticar ação higienista

A utopia do Bhagwan. Ou um capitalismo pra chamar de seu