O “ecologismo profundo” de Al Gore; Ou os interesses do grande capital financeiro?



O Prêmio Nobel concedido ao ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, pela sua luta em “defesa” do planeta esconde bem elaboradas estratégias políticas e econômicas das quais ele se tornou peça fundamental. Catapultado à premiação por conta do seu documentário Uma verdade inconveniente, um “alerta” acerca das mudanças climáticas na Terra em decorrência do aquecimento global, Al Gore se torna agora o queridinho da selva financeira internacional. O alarmismo provocado pela película já se traduz num novo filão: o incremento da emissão dos títulos de bônus de carbono por parte do sistema financeiro concomitante à expansão do agronegócio no hemisfério sul. Expondo ursos que morreram em decorrência de tempestades de neve e não do aquecimento global e afirmando que o nível dos mares subirá seis metros num futuro próximo, o que diversos cientistas entendem como uma estapafúrdia, já que para eles isso só ocorrerá daqui a milhares de anos, o ex-vice-presidente se colocou na condição de messias da humanidade. Na semana passada, diversas agências do maior banco privado do país, o Bradesco, distribuíam cópias do documentário para os clientes. Quando um banco “abraça” uma causa ecológica, ponhamos as barbas de molho. O velho Bradesco, berço da TFP, que investe pesado em diversos projetos agroempresariais na Amazônia, desmatando para plantar soja e criar gado de corte, agora financia propaganda ecológica. Talvez aí tenhamos uma faceta da chamada “ecologia profunda”, tese defendida pelo físico indo-americano Deepak Chopra, amigo de Gore. Seguidor de gurus da Índia, a exemplo de “sua santidade” Mararishi Mahesh Yogi, Chopra também se tornou um deles e passou a ser assediado por nove entre 10 milionários excêntricos que buscam nele “paz espiritual”, doando-lhes muita grana e tendo como retorno seus cursos de meditação. Realmente, assim é construído o debate sobre “ecologia profunda” enquanto milhões de pessoas são vitimadas pela fome na África e em outras partes do planeta. Preocupado com os destinos da Terra e sua população estaria um homem do porte do professor Milton Santos, cujo filme sobre o mesmo, de autoria de Silvio Tendler, certamente não será distribuído pelo Bradesco. Retornando ao messias Al Gore, é bom pensar em qual nível mental sua “ecologia profunda” funcionou quando ele e Bill Clinton bombardearam a Iugoslávia, Albânia, Sudão, Afeganistão, Iraque, Haiti, Zaire e Libéria utilizando alto arsenal destrutivo, inclusive armas que continham urânio empobrecido. Tais bombardeios causaram a morte de dezenas de milhares de civis, provocando danos irreparáveis ao meio ambiente, cujos efeitos perdurarão centenas de anos. Talvez também seja uma preocupação da “ecologia profunda” de Gore a rápida mudança da matriz energética para os biocombustíveis. Plantar soja, mamona e outras oleaginosas para produzir energia limpa, da forma que os empreendimentos estão sendo planejados, pode resultar na expansão de novas fronteiras agrícolas que certamente condenarão milhares à fome. Não se terá espaço para o agricultor familiar nem o pequeno produtor, apenas para os garbosos investimentos concatenados à dinâmica do agronegócio. Ecologia profunda. Ou profana? É risível até para o mais leigo dos leigos quando Gore expõe sua preocupação ambiental no seu documentário hollywoodiano. Tudo não passa de uma articulada querela com nuances metafísicas, bem ao estilo da sua ecologia profunda. O mesmo documentário que apresenta ursos nadando por falta de placas de gelo na Antártida, omite as questões ideológicas necessárias ao entendimento do problema que é sócio-ambiental, e não apenas ambiental. E Gore não vai ao cerne desse desequilíbrio, que decorre muito mais dos desequilíbrios sociais. E não vai porque não deseja. É como aquelas dondocas que freqüentam a Praia do Forte e se encantam com a preservação das tartarugas. Elas compram a camisa, o boné e a sacola da grife, tomam massagem relaxante num spa próximo, lêem Deepak Chopra, fazem meditação transcendental e, devidamente “leves e espiritualizadas”, voltam às suas mansões nos seus carrões na frente dos quais pequenos indigentes lhes estendem as mãos na penumbra dos vidros fumês. Mas, para elas, nada da sensibilidade proveniente da ecologia profunda que militam. Papo pra boi dormir. Enquanto isso, os ecologistas profundos estão basicamente preocupados com duas coisas: as formiguinhas que passeiam nos jardins das suas mansões e os investimentos nas bolsas de valores. Pensar em militância ecológica sem questionar a dinâmica neoliberal é como se acreditasse que existem tubarões vegetarianos.

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