Coerência histórica
Há dois dias que o jornal A Tarde vem divulgando matérias acerca das ações futuras na Bahia do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). O MST programa ocupar 50 propriedades improdutivas no Estado. A informação foi dada ontem (27) durante audiência com o atual secretário de Combate à Pobreza Valmir Assunção (foto). As ocupações integram uma série de outras ações país afora e objetivam relembrar os 11 anos do massacre do Eldorado de Carajás, quando centenas de militantes do MST foram assassinados pela Polícia Militar do Pará. O outro objetivo é exigir mais celeridade no Programa de Reforma Agrária do Governo Federal. E novamente vem à baila a mesma cantinela de sempre com os mesmos e viciados clichês: “ocupações de terra são ilegais, ameaçam à paz e contrariam o direito e as leis”. Quem conhece Valmir Assunção sabe que se trata de homem íntegro e de caráter e, como tal e militante há décadas do MST, ele não renunciará suas raízes políticas e ideológicas no intuito de empanar o grave problema da concentração fundiária. Na Bahia, 26 mil famílias vivem em acampamentos por falta de terra para produzir. A classe política e os meios de comunicação desse país devem aprender a conviver num regime democrático participativo e não apenas representativo. O fato de um líder de determinado movimento social assumir posto de comando na estrutura do Estado é um avanço nesse sentido. Um Estado em transformação é aquele que encara as contradições de uma sociedade dividida em classes e busca avançar no sentido de superá-las. Se existe a demanda social é porque historicamente esta se consolidou. Ao contrário de um Estado que simplesmente reprime e toma partido de fazendeiros e capangas, um Estado efetivamente democrático reconhece o problema e marcha com a história. A linguagem utilizada pela jornalista Lenilde Pacheco, que assina uma das matérias publicada hoje (28/02) pelo jornal A Tarde, dá o tom do preconceito: “(...) o barulhento MST (...)”. No mesmo diapasão, os deputados Heraldo Rocha e Gildásio Penedo, ambos do PFL e fontes ouvidas pela matéria, retomam o discurso conservador. O primeiro considerou “gravíssima” a atitude de Valmir Assunção em receber uma pauta de reivindicações do MST e o segundo argüiu que o mesmo deveria estar defendendo o “direito e as leis”. Não há direito onde não existe o direito à moradia, educação, saúde, alimentação e lazer. O “sacrossanto direito” à propriedade perde validade quando esta propriedade nada produz, apenas especula e impede que milhares de famílias tirem o seu sustento e o dos seus filhos. Como representantes dos interesses dos grandes empresários rurais ligados ao agrobusiness e latifundiários, é compreensível a posição de Heraldo Rocha e Gildásio Penedo. Para estes, o “normal” é que o Estado tenha no seu bojo a representação dos interesses dominantes, dos magnatas, mas quando se trata de algum líder ligado aos movimentos sociais, aí se torna heresia. Prefiro ser herege.
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M Novais