A história de John e João; O sonho americano e o pesadelo brasileiro


John Maguire era casado com Rebeca Wilson Maguire. Eles tinham um filho, o pequeno Ted, de quatro anos. John trabalhava como gerente numa loja Wall Smart da cidade de Pittsburgh, estado de Pensilvânia. Ele vendia material esportivo e suprimentos para caça e pesca. Rebeca era dona de casa e cuidava do Ted. O casal tinha um sonho: comprar uma bela casa, grande, com gramado e espaço para reunir os amigos no sábado. John procura então o gerente do banco do qual é cliente e contrai um financiamento de US$ 250 mil para adquirir o sonhado imóvel. O banco concede o empréstimo e hipoteca a recém-adquirida casa dos Maguires até que o casal pague o investimento. John e Rebeca, como típicos classe-média norte-americanos, terão que se esforçar para quitar as prestações da casa. No seu país não há programas de financiamentos públicos por parte do Estado para adquirir casa própria. Isso vem ocorrendo desde que um cara chamado Ronald Reagan assumiu a presidência por lá e começou a repassar apenas aos bancos privados essa função. Foi nesse período também que a previdência se tornou totalmente privada na pátria de John e Rebeca. Só que o plano dos dois começou a ficar ameaçado por motivos financeiros. As vendas na loja que John trabalhava não iam bem e eles se tornaram inadimplentes com o banco. John não estava conseguindo pagar as altas prestações do imóvel e ainda se lembra do sorriso fácil do corretor que o convenceu a assumir a empreitada. Este lhe apresentava um futuro de sonhos e felicidades com sua Rebeca numa casa bacana. Mas o banco o qual nosso amigo contraíra o financiamento já havia vendido sua dívida de hipoteca a outro, pois era comum no país da liberdade econômica as instituições financeiras negociarem entre si hipotecas como fator de investimentos futuros. O pagamento fiel das prestações dos imóveis os valorizava sobremaneira. As hipotecas ficavam apetitosas para quem as administrava. Um big negócio. Os bancos lucravam muito. Mas esse lucro passou a ser uma forte dúvida. Em cadeia, as instituições financeiras começaram a aferir perdas estratosféricas. Não só John, mas milhões de Johns nos Estados Unidos entraram num clube de inadimplência coletiva. Eles queriam casa bacana para jogar beisebol e assar salsichas. Sonhavam juntos embalados pelos anúncios atrativos veiculados na TV. Foi quando alguns entendidos passaram a antever o caos e apontaram uma “bolha imobiliária” nos EUA. Era gente comprando sem saber se podia continuar pagando. Era banco emprestando sem saber se iria receber de volta. A bolha estourou. Os bancos norte-americanos, diante desse pepino, tiveram que buscar dinheiro em outros investimentos, ou melhor, retirar dinheiro. Retiraram grana de muitas empresas que eles tinham investimentos para recompor o rombo. Então as cotações das ações dessas empresas nas principais bolsas de valores do mundo entraram em queda livre. Eram empresas que, por sua vez, também investiam em outras de outros países. Como um mata-borrão gigante, o dinheiro começou a escoar no ralo do mundo. Distante da terra de John, num certo país chamado Brasil, um outro João trabalhava como operário numa fábrica de carros. Essa empresa tinha ações nas mãos do mesmo banco que John, o norte-americano, contraíra o financiamento. O banco o qual John tornara-se devedor da hipoteca então se desfez de boa parte dos papéis da fábrica de automóveis que João era operário, que ficou em apuros econômicos. Para ficar mais “leve” no mercado e se tornar mais “lucrativa”, a fábrica que empregava João resolveu o demitir assim como a milhares de outros Joãos, que perderam seus empregos. Tanto o banco lá nos EUA e a fábrica no Brasil, que tem ações negociadas no banco dos EUA, jogaram ao mar os “excessos”, e esses “excessos” representaram milhares de famílias sem sustento. Não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Não importava para ambos se aumentaria a fome, a miséria, a violência e o drama social em todas as partes do planeta. Mas o dono do banco que John tomou o empréstimo e não pagou conseguiu se safar, pois bateu à porta do Governo dos Estados Unidos, chorando, e exigiu que o Banco Central daquele país, o FED, lhe desse socorro, lhe injetando dinheiro público. E esse mesmo FED “recomendou” aos bancos centrais dos outros países, a título de contornar a crise gerada pela especulação desses indomados senhores do mercado, que também injetassem dinheiro público para socorrê-los. Para eles, o Estado agora tinha função. Pronto, o playland dos banqueiros e especuladores estava a salvo, com dinheiro público, diga-se. Seus donos continuarão abastados e arquimilionários. E John e João, como ficaram? John perdeu a casa dos sonhos e mora agora de aluguel no subúrbio de Pittsburgh, onde passa os finais de semana tomando cerveja, assistindo partidas de beisebol na TV e aguardando um comercial que possa atraí-lo para um novo imóvel dos sonhos. Já o João do Brasil, que nunca sonhou com casa bacana, agora mora na casa dos pais, na periferia de São Paulo, com mais oito pessoas. Está desempregado, a mulher está grávida e, diferente do John lá de “cima”, seu sonho de “consumo” é apenas um novo emprego. Mas assim como seu homônimo norte-americano, João também assiste TV todos os dias, principalmente quando levanta pela manhã e vê uma jornalista muito séria, “conhecedora profunda” da economia, que no seu comentário diz: “o mercado amanheceu nervoso”. João não entende nada do que ela quis dizer, apenas se posta à mesa, abre os classificados de emprego e sublinha os anúncios para mais um dia de batalha pela sobrevivência. A jornalista se despede depois de ouvir empresários e investidores sobre o “nervosismo do mercado” e anuncia a próxima programação.

Comentários

Hailton Andrade disse…
Muito boa a história, bastante explicativa. O pior de tudo Zeca, é que quando alguém abre a boca para falar algo acerca dos bancos acaba demitido. Como a Salete Lemos. Segue o link do vídeo!

http://br.youtube.com/watch?v=vsfg3iUR5sA
Esta enquete é muito tendenciosa!!! Porra é essa!!! Boa!!!
Simplesmente, um belo Revolução dos Bichos. É desta comunicação que precisamos. Genial. A avalição que faz reúne todos os elementos do Materialismo Histórico, que o pessoal tema em chamar de Globalização. Globalitarismo, isso sim. A destreza do texto educa. A ligação entre os acontecimentos, a avaliação desta monstruosa queda da bolsa de valores, e a crítica que faz a mídia comprada no Brasil, que evitou de todas as maneiras atacar o ponto que ela mais defende neste Governo Lula: a estabilidade econômica. As teorias sobre estabilidade da Mirian Leitão e companhia. De maneira didática, você revela o quão fomos também afetados por essa crise.
No entanto, devo uma avaliação que relacione o PAC e essa crise. Talvez, do ponto de vista superficial essa crise não tenha chegado no Brasil catastroficamente como em outros tempos não apenas pela política de juros, mas pelo planejamento estipulado pelo PAC. Ele é um mapa de investimentos a longo prazo, que já continha em seu plano de ação, por exemplo, quanto iria investir em financiamento do mercado imobiliário. Leia-se, por exemplo o aumento recente da linha de crédito para a casa própria, logo após a crise global.



Obs: Rapaz, a sua antipatia por essa moça já tá virando obcessão. Vê lá. Pense muito antes de sair metralhando por ai.

Postagens mais visitadas deste blog

O Papa que a Globo não mostrou

Membro da Coordenação Nacional do Movimento da População de Rua acusa Prefeitura de Salvador de praticar ação higienista

Wagner está bem; quem está mal é a imprensa fedorenta