Ficha Limpa aprovado. E o resto da faxina?



O projeto Ficha Limpa, em tramitação no Congresso Nacional e festejado como varinha de condão da moralização política do país, a despeito da sua importância é apenas uma das iniciativas para o intento desejado. O problema é que outras medidas, de igual ou maior importância, e que devem se agregar a esta, não têm ganhado a necessária visibilidade, como a Reforma Política e o financiamento público de campanhas. É proposital e estratégico. Reduzir a política a um bom mocismo senso-comum afasta questões mais complexas e significativas do debate. Insensar apenas a honradez dos candidatos ao parlamento não garante significativos avanços para o amadurecimento democrático. A história do País tem provado isso a granel. Um nada consta na folha corrida seria o beneplácito para clareza de propósitos? A ficha, de fato, só ficará limpa quando a Constituição do Brasil iniciar o divórcio entre o processo político e o poder econômico. Claro, esta mudança não se dará na virada da noite, mas é preciso que seja iniciada, de imediato, sob pena da nova lei se tornar o limite tolerado pelas elites nativas. Aliás, basta observar o comportamento histriônico desses setores quando se trata de ampliar os mecanismos de controle social e radicalizar a democracia participativa. A Conferência Nacional de Comunicação e a terceira edição do Plano Nacional de Direitos Humanos são dois exemplos do quanto é seletivo o conceito de idoneidade dos grandes grupos empresariais, sobretudo os ligados à mídia corporativa e segmentos conservadores das Forças Armadas, ruralistas e Igreja Católica, para citar alguns. É correto se exigir passado limpo para o cidadão pleitear um mandato, óbvio! No entanto, quando se fala em punir torturadores, com fichas explicitamente sujas, muda-se de opinião, taxando de revanchismo aqueles que exigem justiça. O mesmo vale para o controle social da mídia ante abusos que reforçam preconceitos e outras formas de discriminação. Aí o rótulo é de censura. A aposta de que o projeto ficha limpa, por si só, garanta a assepsia do parlamento é tão ingênua como acreditar em gnomos. A maior parte da sujeira nos parlamentos é produzida pelos lobbys dos mega interesses corporativos que transitam nas casas legislativas. A remoção dessa lama corruptora deve ser concomitante às necessárias exigências previstas para os candidatos na lei a ser promulgada. Um primeiro passo importante seria alterar o mecanismo do voto. As eleições devem ser disputas entre programas e despersonalizá-las é fundamental para garantir mais legitimidade às escolhas. Votar no partido e não necessariamente nas pessoas. As agremiações políticas incrementariam a democracia interna oferecendo listas de candidatos referendados pelas legendas. Os custos com os processos eleitorais, por sua vez, devem ter origem em fundos públicos e limitados de forma equânime entre todos os partidos, sob rígida fiscalização da Justiça Eleitoral. Ficariam proibidas quaisquer formas de contribuição econômica oriundas de corporações e empresas, inibindo assim a influência do poder econômico nas disputas eleitorais. Mas não só. As casas legislativas devem trabalhar em consonância com outros mecanismos de deliberação democrática da sociedade civil organizada. Esta aí um bom começo. Se tais iniciativas se atrelarem ao projeto Ficha Limpa o detergente necessário à faxina da vida pública terá muito mais eficácia. A nódoa que tem maculado a democracia brasileira será removida de forma célere, tornando-a efetivamente mais participativa, representativa e, sobretudo, mais cristalina. Aí a ficha ficará realmente limpa.

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