A diferença entre o fato e a "notícia"


A luta das mulheres campesinas não é explicada pela imprensa

Por intermédio de artigo publicado em diversos jornais do país, o jornalista Carlos Alberto Di Franco, que esconde na imprensa sua condição de supernumerário da Opus Dei, atacou veementemente os movimentos sociais que lutam pela reforma agrária, em particular o MST e a Via Campesina. O texto repete os mesmos clichês de sempre e agrega o argumento modal utilizado ultimamente pela direita nacional, de que o Governo Federal tem repassado recursos públicos para os movimentos sociais. Com Di Franco, tem cerrado fileiras o “insuspeito” presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, as entidades que representam os empresários rurais ligados ao agronegócio, e de resto uma gama considerável de parlamentares, donos de meios de comunicação, jornalistas, articulistas de consideráveis parcelas da mídia e setores influentes das forças armadas. A ofensiva de criminalização dos movimentos esconde a ponta de um ice berg que não é esclarecido pela imprensa. É um ato proposital. Sobram preconceitos ideológicos e ódio de classe, faltam informações. A nenhuma voz dos movimentos que lutam pela reforma agrária foi dada a palavra. A luta que a Via Campesina tem travado no sul do país, por exemplo, denuncia um estrondoso crime ambiental em curso perpetrado pela indústria da celulose. Em nenhum dos grandes órgãos de imprensa, seja televiso, escrito ou radiofônico, assim como nos seus respectivos portais na internet, foi noticiado o fato de que extensas plantações de eucalipto têm colocado em risco a segurança alimentar de imensos contingentes populacionais. Ao derrubar vários pés de eucalipto, como ocorreu na última segunda-feira no Rio Grande do Sul, a Via Campesina denunciou as conseqüências nefastas da monocultura dessa espécie. Em regiões tomadas por mares de eucaliptos já falta água para o consumo humano e criação de animais. A monocultura do eucalipto extrai sobremaneira a água do subsolo, destruindo nascentes e secando grandes mananciais hídricos. O agronegócio da celulose tem legado desertos verdes e reduzido a produção de alimentos. Estes fatos são omitidos, inclusive pelo chamado “jornalismo ambiental” praticado por alguns órgãos de imprensa. Na noite desta terça-feira, por exemplo, o jornalista e “ambientalista” André Trigueiro, da Globonews, ao noticiar a “invasão” da Via Campesina a uma indústria de celulose no sul, limitou-se apenas a “ler” o fato no mesmo diapasão senso comum da midiocracia nacional. O texto versou em criminalizar as ações, prevalecendo a meia-notícia, a notícia que interessa aos donos da emissora. Enquanto isso, outro reduto da direita brasilis, o Ministério Público do Rio Grande do Sul, pediu o fechamento das escolas itinerantes do MST alegando que os alunos estariam sendo submetidos à “lavagem cerebral marxista”. O pedido foi aceito pela Justiça gaúcha e o governo corrupto de Yeda Crucius mandou a Polícia Militar destruir os galpões onde centenas de crianças estudavam. Nenhuma palavra, a não ser críticas aos sistemas pedagógicos do MST que estariam “pervertendo criancinhas”. A diferença entre o factual e a razão para a maior parte da mídia nacional é um paradigma de fácil identificação: interesses de classe diluídos na violência simbólica das “notícias”.

Comentários

Ângelo disse…
Grande Zeca.

Texto excelente e com uma conclusão com a qual eu não tinha como concordar mais.

"A diferença entre o factual e a razão para a maior parte da mídia nacional é um paradigma de fácil identificação: interesses de classe diluídos na violência simbólica das “notícias”."

É triste ver a posição dos que podiam mobilizar forças para mobilizar a massa contra esses absurdos, apenas mobilizam forças em prol de pequenos interesses próprios custeados por interesses maiores em caráter material e ainda menores no tocante à dignidade.

Abraço,

Ângelo Pinheiro
A imprensa gorda iniciou, com forte ajuda do presidente do STF, Gilmar Dantas, campanha contra os movimentos sociais. A maioria dos veículos, aproveitando o ensejo do episódio de Pernambuco, escolheu o MST.

O Estadão resolveu atacar a UNE. Além de questionar a independência da organização em matéria que fala sobre a "abertura das torneiras" governamentais para a UNE nos últimos anos, o diário lançou uma enquete em que pergutava: "Na sua opinião a Une ainda representa os estudantes". Tiro na água, o "sim" venceu com 83% dos votos.

Você e o padre Júlio Lancelotti estão corretos. “A imprensa brasileira nos estupra psicologicamente”,disse o padre.

Abraço!
Gabriel Pinheiro disse…
Professor,
colega jornalista e também diletante nas hostes do academicismo político - orientando de Wilson Gomes - que sou, já tive o privilégio de entrevistá-lo quando da realização da série especial que fiz sobre a importância do voto para a TV Record.
Não poderiaser mais acertado este comentário. Mesmo a dita mídia engajada está perdendo a direção. Não há mais conhecimento de causa e, portanto, não há como defender o que não se conhece. Os jornalistas se tornaram máquinas taquigráficas a reproduzir apenas a voz da elite intra-muros, os gate-keepers que estão nas próprias redações reverberando o poderio do mundo das grandes instituições. A permeabilidade da esfera jornalística pelas esferas do poderio econômico chegou a um extremo do qual nem mesmo os mais aguerridos jornalistas têm conseguido escapar.
Esse texto nos dá alguma esperança, a de que há ainda alguns, jornalistas também, que ensinam a ser jornalistas - o que é ainda melhor - fazendo isso de forma adequada. É imprescindível nos mantermos ativos nesse sentido. Tenho desopilado minhas artérias com textos como este. Também dou minhas escrevinhadas no meu blog, ao qual te convido agora, sendo um prazer e um privilégio tê-lo como leitor (www.safenacultural.blogspot.com). Se já te admirei como entrevistado, agora, diante deste texto, passo a considerá-lo ainda mais.
Abraços

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