Habermas, a opinião pública e a aprovação de Jaques Wagner

O filósofo alemão Jürgen Habermas, um dos principais herdeiros das discussões da Escola de Frankfurt, enfatizou na sua obra Mudança Estrutural da Esfera Pública a diferença entre “opinião pública e opinião publicada”. Para Habermas, a presença progressiva dos mass midia na sociedade ocidental se encarregou de diluir o que seria uma opinião pública mais genuína. Emerge então o fenômeno da opinião publicada. Ou seja, os meios de comunicação seriam os catapultores das supostas manifestações de opiniões – individuais e com status de pública - mediante as ações dos agentes envolvidos com a indústria da mídia – publishers, jornalistas, comentaristas, articulistas e demais midias men. A quem tem o lugar da fala é arbitrada então a “livre” manifestação das idéias, entendendo como “livre” a liberdade de empresa, sobretudo, e não necessariamente a liberdade de imprensa. Por intermédio desta compreensão podemos avaliar as recentes pesquisas divulgadas pelo Instituto Datafolha, que apontam o governador da Bahia, Jaques Wagner, oscilando entre 36% e 38% na preferência do eleitorado para o pleito de 2010. O governador é líder isolado das intenções de voto com quase o dobro da preferência em relação ao segundo colocado. A fotografia tirada por esta pesquisa descortina dois cenários, o da aparência e o da essência (tomando emprestada a expressão utilizada pela secretária-chefe da Casa Civil do Governo da Bahia, Eva Chavion). No primeiro, o governo Wagner foi, e tem sido, bombardeado diuturnamente desde o seu nascedouro. Não faltaram “crises” construídas em diversos setores da sua gestão pelos “donos dos lugares da fala”, como ocorreu nas áreas da Saúde e da Cultura, para se ater a dois casos emblemáticos. Findo o primeiro ano do governo, amplos setores dos circuitos da mídia - ou dos donos da fala, como queiram -, espetacularizaram todas as fissuras e deslizes da gestão Wagner. A lente colocada sobre seu governo teve amplitude superior à colocada nos governos passados. Os fatos, mesmo os factóides, foram, e são, amplificados à exaustão. O teatro político baiano nunca esteve tão movimentado, e encenado. As resoluções de mazelas, carências e demandas de um Estado que esteve 16 anos sobre o controle de um único grupo político – com forte tempero fascista – passaram a ser cobradas peremptoriamente. Para muitos donos das vozes, tratava-se de um governo condenado ao fracasso. E esta “opinião” foi pulverizada em vários segmentos da sociedade. Queriam construí-la como “pública”, e havia quem achasse que sim. Já o segundo cenário remete ao quadro real no que confere às opiniões das populações sobre a atuação do governo. As políticas públicas perpetradas mudaram substancialmente de vetor, invertendo prioridades. Investimentos em educação, saúde e infra-estrutura e incentivos a empreendimentos geradores de renda – principalmente pequenos e micros - iniciaram um processo de mudança na fisionomia da Bahia. É a essência. Foi quebrado um ciclo vicioso que restringia os dividendos do desenvolvimento econômico a meia dúzia de contemplados. O povo não é idiota, ainda que muitos donos da fala assim acreditem. É fato que a tese da pedra no lago, a qual debita a formação de ondas de opinião a partir de irradiadores hegemônicos, foi por água abaixo. A diversificação dos meios, em destaque a Internet, concomitante com o processo de politização da sociedade – movimentos sociais e afins – têm construído olhares diferenciados sobre a realidade, que fogem e de alguma forma neutralizam o senso comum desenhado pelos donos dos lugares das falas, ou seja, pela opinião publicada. E foi este segundo cenário o detectado pelo Datafolha. Um cenário que existe paralelo ao primeiro, mas que não se expressa no cotidiano por ausência de canais. Em resumo, a aprovação de Wagner é um importante marco no processo em curso da luta contra-hegemônica na Bahia e no Brasil. É a luta política silenciosa que se é ignorada pelos players da mídia corporativa e hegemônica, é facilmente identificada por expressivos setores da população.

Comentários

Eu acho cedo para uma possível comemoração, pois é normal quem está no poder liderar as intenções de voto.
No Brasil não se pode mas confiar em pesquisas.
Se essa pesquisa fosse feita entre os funcionários público garanto que não seria um resultado assim tão bom para situação.
Anônimo disse…
Caro Apolônio,

Não se trata de comemoração e sim análise. Realmente, muito cedo. No entanto, é um indicativo. Quanto ao funcionalismo, qual a porcentagem de votos que esse segmento representa? E olha, o governo Wagner - aí, sim, defendo!- constituiu um plano de carreiras para os servidores que nunca havia sido aprovado nos governos anteriores. Mesmo com todas as limitações, existe um ganho substancial para o funcionalismo.
Anônimo disse…
Zeca, excelente análise do que vem a ser opinião pública e publicada... Entender a Bahia a partir do seu povo, do que anseia e precisa é uma outra ótica, diferente, sim, do que os grupos hegemônicos praticavam. A lucidez da análise do que a pesquisa representa é bem a sua marca. Faz falta su apresença na 'instituição'.
Gabriel Pinheiro disse…
Caríssimo professor.
Texto lúcido e agradável. Boa leitura esta que faz da esfera pública. Um dos meus conceitos Habermasianos favoritos é o que toca na distinção entre opinão pública e opinião publicada, tão caro a qualquer análise que se faça da coisa pública e asvisões qe dela se obtem na contemporaneidade, onde se publica mais do que se pode ler. É preciso fazer recortes, compor a nossa cesta básica de leituras. Suas observações estão no meu pacote.
Como sempre, aprendi.
Abraços,
Gabriel Pinheiro

Postagens mais visitadas deste blog

O Papa que a Globo não mostrou

Membro da Coordenação Nacional do Movimento da População de Rua acusa Prefeitura de Salvador de praticar ação higienista

A utopia do Bhagwan. Ou um capitalismo pra chamar de seu