Qual a diferença entre publicidade e propaganda?
Tenho profunda admiração pelos colegas publicitários. Muitos deles detêm invejável senso de observação, reconheço. No entanto, boa parte se embebeda no mais profundo empirismo quando o assunto é discutir o campo das teorias da comunicação social. Quase sempre um olhar raso sobre o tema. Talvez pensando que tudo possa se resumir ao imediato entendimento da realidade. É a tese do balaio, onde tudo cabe a partir de um único conceito. Sobram bolodórios discursos e faltam argumentos científicos. Há alguns dias uma profissional de comunicação arguiu que publicidade e propaganda seriam a mesmíssima coisa. Contra-argumentei e tive como resposta a assertiva de que a dissociação dos conceitos de publicidade e propaganda “era uma visão antiga e que não mais se aplicaria”. Por alguns minutos tentei identificar em quais marcos histórico-temporais a publicitáriapropagandista se balizou para dar tal veredicto. Encabulei. Por que “visão antiga que não mais se aplicava”? O que seria então essa suposta visão moderna? Teria sido extraída dos manuais de marketing e auto-ajuda empresarial que grassam nas prateleiras das livrarias para o assanho dos curiosos? Talvez. É fato que muitos publicitários brasileiros não são afeitos à produção científica e sim à prática. Mas é forçar demais a barra confundir essas duas modalidades de comunicação persuasiva. O conceito de publicidade é aplicado à comunicação comercial; o conceito de propaganda é aplicado à comunicação ideológica. O primeiro se origina historicamente nos hábitos de consumo, desde que o homem passou a produzir artasenalmente e buscou persuadir outros para adquiri o que havia produzido. O segundo é oriundo das ações da Igreja Católica Apostólica Romana para neutralizar e eliminar discursos de movimentações religiosas consideras hereges e infiéis. É a partir desta prática que surge a propaganda política, ferramental que se mostrou presente a partir do século XVIII na Revolução Francesa, depois na Revolução Russa de 1917 e posteriormente na edificação dos estados totalitários, principalmente durante o regime nazista na Alemanha. Em resumo, são duas técnicas de persuasão que têm aplicabilidades distintas. No Brasil a confusão dos conceitos é corrente entre muitos acadêmicos e técnicos da área, o que não ocorre entre os pesquisadores de Portugal, Inglaterra, França, Estados Unidos, Itália e Japão, locais nos quais a dissociação é clara e devidamente explicada. E esta não é uma questão menor, diria. Quando se trata de preparar e formar estudantes para atuar no campo profissional da comunicação (pedindo licença a Pierre Bourdie) é de bom alvitre que esta discussão seja sustentada na fundamentação teórica, com aplicabilidade correta dos conceitos, e não balizada no puro achismo. Por quê? Porque ainda que ambas as técnicas e respectivos conceitos estabeleçam diálogos – nos dois residem capacidade informativa e força persuasiva -, é importante estabelecer as fronteiras entre um e outro. Uma campanha política ou de esclarecimento público acerca de qualquer coisa não congrega os mesmos elementos de diagnóstico, análise e planejamento que uma campanha publicitária. Propagar ideologia e valores não é o mesmo que publicizar carros e sabão em pó. “Vender” políticos e políticas públicas como se vende peixe é um escorregão clássico, diapasão comum, de muitas agências que pensam estar fazendo propaganda quando na verdade fazem publicidade. E nesse enredo conseguem transformar boas propostas políticas em rasos argumentos de comunicação, cuja data de validade é logo vencida. Taí, portanto, porque não endosso a tese da uniformidade dos conceitos. E caso prevaleça essa lógica mecanicista e rasa, proponho que mudem o nome do curso para Comunicação com habilitação em digitação. Ok ?
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